quinta-feira, 18 de março de 2010

Livro; Memórias de Bordo.

MEMÓRIAS DE BORDO




Apresentação.

Memórias de bordo é um livro escrito em forma de diário, abrange uma linguagem popular e deixa transparecer de maneira simples e clara os modos, os pensamentos, os pesares e as dificuldades de uma mente em formação que é a mente dos jovens. Em memórias de bordo o leitor ira viajar por vários lugares fascinantes que mexem com os sentimentos e que encantam a alma com suas belezas, imaginar contos e lugares como este é um fato que ocorrerá ao leitor mesmo que ele não queira, pois uma das principais características do livro são os artigos que expressam a opinião do autor.

De maneira geral é uma grande viajem pelo interior dos sentimentos de um jovem viajante e pelo nosso querido país, vale a pena ler pagina por pagina e se divertir com os acontecimentos vividos e transcritos neste livro.




09 de dezembro de 2009



Como é bom escrever, mas escrever sobre o que? Não há assunto.

Podia ser pior, uma vez que agora o ônibus está parado para reformas na pista. Ele esta com uma fome dos diabos, irá comer um boi na rodoviária. Nem a paisagem ele pode aproveitar por causa do sol que abraça a sua janela com seu calor sufocante seus raios iluminados e tudo mais. O pior de tudo é viajar com o namorado de Camila ao lado, será que eles sabem quem são? Duvido muito, se soubessem já estavam caindo no pau.

__Ô vida viu... Isso por que nem cheguei a Coxim ainda. (09h37min)

Pelo perdão da palavra a mim esclarecida, vejo que aquele que pensava ser não é mais. O cara não é o namorado da Camila e nem a menina que o viajante conheceu era legal. Bom, sendo assim, ele nada pode fazer a não ser curtir a viagem e torcer muito para que alguma menina inteligente e bonita venha sentar ao seu lado. Creio que em Cuiabá MT, seu desejo se tornará realidade. Tomara que sim... (13h20min)

Infelizmente suas preces não foram atendidas. Em Cuiabá MT um cara gordo e branco veio se sentar ao seu lado, justamente na melhor hora para se dormir o gordo polaco tomou conta da outra poltrona ao lado...

- Gordo filho da puta! (01h05min)



10 de dezembro, quinta-feira



A julgar pela primeira noite infernal que teve, acordou de bom humor. De madrugada quando pararam na rodoviária de Várzea Grande MT, pode novamente conversar com a menina que achou um pouco chata. Apaixonou-se, ela é linda e bem legal. Achou que na primeira conversa ela estava com um pouco de timidez. Hoje passou uma manhã dos diabos, no ônibus quase vomitou, mas agora a tarde ele falou com ela novamente, Eloise é seu nome, tem cabelos pretos, meio lisos, (crespos). Um sorriso de menina, lábios de um vermelho fraco, mais rosado do que vermelho, isso mesmo, seus lábios eram rosas, rosas perfumadas, seus olhos também eram pretos e lindos, de pele branca encantadora, uma plebéia. Mas com jeito de princesa;

- Meu Deus, como ela é linda!

Uma menina de grandes sonhos, pretende ser médica. Tem cara mesmo de quem pretende ser médica, é uma utópica como ele. Pouco tempo teve para tentar algo a mais, (dar um beijo nela, por exemplo). Teve, porém, a consciência que não poderia botar tudo a perder. Na primeira vez que se falaram ele a viu sentada em um banco de cimento, caminhou em sua direção meio cambaleando.

Ele estava nervoso! Sentou ao lado dela, ela tomava coca-cola e mexia no celular, ele pegou o livro pra ler (TERRA VERMELHA, salve, salve professora Val), leu três paginas e depois resolveu puxar assunto. Foi quando disse com uma voz trêmula, mas madura.

- Para onde você vai?

Daí em diante foi só alegria. Em toda parada se falavam, pensou em sentar na poltrona ao seu lado, mas ela já estava acompanhada. Um velho gordo tinha sentado ao seu lado. Menos mal. “Antes o velho gordo do que um loiro de olhos azuis” ele pensou.

Hoje sua tacada final foi lhe dar um papel com seu número de telefone e algo desejando um bom natal. Não teve nem ao menos a chance de pegar seu número de telefone, pois a bateria do seu celular descarregou.

- Merda!Tomara que ela me ligue, afinal ela é de Campo Grande MS...Tão pertinho de mim!

Já faz uma hora que ela partiu, o viajante continua ali na rodoviária de Vilhena RO.

- Ela deve estar no ônibus, enrolada nas cobertas vendo a paisagem ou dormindo, ou até mesmo conversando com o velho gordo. E ele ali, com um monte de estranhos, sozinho, em sua cabeça um turbilhão de perguntas o começa a torturá-lo

__No que ela deve estar pensando agora? Será que ela guardou o papel que lhe entreguei? Será que ela vai se lembrar de mim? Será? Será? Perguntas que só o tempo irá me responder e tomara que me venham noticias boas. (13h20min)

As 13h30min seu ônibus chegou, precisava deixar a cadeira que ela sentou, a cadeira era a única coisa sólida que ela havia tocado em sua presença.

Estava ficando louco e nem chegou ao seu destino ainda. Juntou as malas e depois de muita confusão comprou passagem para um lugar, que nem ele sabia onde ficava.

- Seja o que Deus quiser!

Ele só estava pensando nela, “Eloise, Eloise, Eloise”; não existia mais nada nesse mundo além do sorriso de Eloise.

Acabou chegando ao ponto certo, por pura sorte do acaso, mas ainda teve, de caminhar três grandes morros, com uma mala que já perecia pesar 100kg e nas costas outra de 5kg com os livros.

- Diabo de subida que nunca acaba.

Ele estava cansado e de sua testa escorriam-lhe gotas de suor, o tempo estava nublado, não havia sol forte e nem vento, a estrada estava enlameada e ele caminhava como um bêbado derrapando para subir os morros, seus ombros doíam muito, mas era só lembrar-se das conversas que teve com Eloise que tudo melhorava, parecia até “amor”. Em sua mente as perguntas recomeçavam a cair-lhe como chuva no telhado

- Meu Deus será que ela vai me ligar?

Quando enfim chegou, pouco fez cerimônias, ele não é disso. Colocou o telefone para carregar a bateria, logo pegou no sono, foi apenas um cochilo de três horas, o suficiente para a bateria voltar ao normal. Quando olhou seu telefone notou que havia duas ligações perdidas, logo pensou que fosse Eloise, mas quando viu o prefixo (069) desanimou: “não pode ser ela”. Foi dormir e sonhou com ela. (15h27min)



11 de dezembro sexta-feira



Depois de uma boa noite de sono, acordou inspirado para saber afinal quem havia ligado, pegou seu telefone e já imaginando um possível dialogo com Eloise, subiu no alto de um morro que fica a 20 metros da casa, quando digitou o número e ao primeiro sinal de chamada seu coração disparou, se sentiu pesado, angustiado, nervoso, tenso, não sabia com quem falar, por mais que as chances eram remotas ele ainda pensava em Eloise atendendo ao telefone com aquela sua voz meiga e singela. Mas tudo isso desabou quando sua tia disse:

- Alo, alo?

Eloise não ligara e nem lhe mandara mensagem, e daqui a pouco se fará 48 horas que a conheceu. O pobre viajante já começa a ilustrar desculpas do porque do sumiço de Eloise.

- Bom... a bateria do celular dela estava descarregada, mas já deu tempo suficiente para ela ter chegado e recarregado, ela me disse que estaria muito ocupada, estava indo para um casamento no sábado, e hoje é sexta feira, ela iria para o salão se arrumar e sábado estaria ocupada ajudando com os preparativos do casório.

- Mas que merda, eu deveria ter pegado o telefone dela. Mas não, o doido quer ser o senhor dos acasos e fazer tudo com estilo, estilo de otário só pode ser. E se ela não ligar nem mandar mensagem?

Certamente isso seria um sinal de que ela não está nem aí, mesmo assim ele a procura na internet, não deve haver muita Eloise igual a ela em Campo Grande MS. Sabe Deus quando iria acessar a internet, no sítio é complicado sair e quando se sai não dá doideira pra voltar.

Mas uma coisa puxa a outra, preciso estabelecer uma conversa sólida com Eloise e só poderei fazer isso quando cruzar o país de volta para casa, no entanto tenho muito medo de perdê-la nesse meio tempo. Mas perder o que? Ela nunca foi minha to maluco mesmo, só sei de uma coisa a única menina que está em minha mente neste momento se chama Eloise e nada posso fazer contra isso. Um dia ouvi dizer que Deus protege aos loucos os bêbados e aos apaixonados, então seja o que Deus quiser. (09h30min)

Depois de dormir como uma preguiça gigante seu avô apareceu com uma idéia de jerico. No seu quarto havia uma colméia de marimbondos que mais pareciam urubus de tão grandes, fizeram uma tocha e tocaram fogo neles, o que serviu apenas para espantá-los, pois ele teve de matar marimbondo o dia todo...

Bom, os de seu quarto foram tranquilos, mas os que estavam fora da casa no beiral de madeira do forro deram mais trabalho. A princípio teve de subir em uma escada velha que bambeava igual bambu verde, depois que conseguiu subir na tal escada pegou a tocha e meteu na colméia com toda a sua força.

- Meu Deus que merda que eu fiz!

Era marimbondo voando pra todo lado, sua vó gritando pra sair dali e seu avo gritando pra colocar a tocha no enxame, alguns marimbondos lhe ferroaram pela mão e pelo braço, a escada quebrou e o tombo foi inevitável, sua vó saiu desesperada gritando e seu avô só lhe perguntava.

- Machucou meu filho? Cê ta bem?

Foi inevitável também que outros marimbondos lhe ferroassem em seu momento de fraqueza, no fim ele acabou queimando tudo, quase a casa inteira, mas valeu a pena, já era quase noite e o viajante depois da janta, estava cheio como um porco de engorda ele só pensava em como iria perder aquela banha toda que lá iria adquirir.

- Aqui o povo é doido nunca param de me oferecer comida, meu regime vai para os diabos desse jeito, o pior é que se não comer pensam que estou fazendo desfeita. Meu Deus to perdido.

Foi dormir. Tentativa frustrada de dormir pois ”os surdos” estavam assistindo novela com a televisão no máximo do volume, são gente de idade deve ser por isso. Não havia mais nada a fazer a não ser tentar dormir. De repente uma pergunta lhe veio ha mente

- Que será que Eloise faz agora? O casamento é amanhã deve estar, estar... (19h34min)



12 de dezembro sábado



Acordou bem disposto a julgar pela noite mal dormida, ainda não se acostumou com a nova cama. Acordou mas continuou deitado, estava com muita preguiça e muito revoltado por não ter dormido bem. Porém logo foi tirado da cama pelo cheiro de pão caseiro que sua vó havia feito. Comeu com lagrimas de crocodilo porque pensava em seu regime indo embora. Quando terminou o café foi ajudar seu avô que estava arrumando um cercado pra colocar bezerro. Nunca viu tanto barro e lama em apenas um metro quadrado.

- Quem foi que disse que é só no Paraná que tem terra vermelha? Aqui tem ... e muita. Naquele dia entendeu o motivo pelo qual o povo lhe oferecia tanta comida. Nunca trabalhou tanto, carregou pedra, areia, cerrou madeira e pregou tábuas, muitas tábuas. A fome acelerava o ronco do motor do estômago transformando-o num legítimo autódromo de F1. Seu avô lhe lançou um olhar cheio de compaixão e disse:

- É meu filho, a vida no campo não é fácil.

Ele sorriu balançando a cabeça expressando uma afirmação e um pequeno contentamento. Em seu pensamento uma resposta fora formulada mas não chegou a ser pronunciada. Ele pensou:“Mas apesar de tudo eu gosto daqui, pelo menos eu acho que gosto.”

Terminaram o trabalho às 13h30min, ele deu graças à Deus por ainda estar de pé, pois ainda tinha que lavar bem os pés para tirar o barro e a merda de boi das canelas. O tempo estava nublado, logo choveria. O sol mal aparece e lá vem a chuva logo atrás, parece até marido e mulher, duas horas de sol e quatro de chuva. Como ele ama essa terra! Enquanto lavava as canelas sujas de lama e merda de boi passou-lhe uma pergunta pela cabeça:

- Será que Eloise me esqueceu? Já tem três dias que nos conhecemos e nenhum sinal dela, nenhuma mensagem, nem ligação. Será que ela ao menos me aceitou no “MSN”? E mundo moderno, essa é uma curiosidade que tenho que matar antes que ela me mate. Bom, ela pode estar sem crédito ou eu posso ter passado o numero errado. Será que precisava mesmo daquele (067)? O pior de tudo é que já estou começado a esquecer de seus traços faciais, se eu tivesse ao menos uma foto ou fosse bom em desenho.

- Merda de vida, você é um burro, um inútil, um peso vivo e mais nada.

A chuva cai no telhado, singela e fria, ele estava sentado morrendo de dor nas costas de tanto carregar peso, trabalhara como um mouro, enquanto observava a chuva pensava:

- Mas isso me faz bem, me faz crescer como homem, ajudar meu avô e meu bisavô no trabalho duro é um aprendizado, se existir velhice em minha vida quero que seja como a deles, com muita loucura e saúde. Vejo bem como isso aqui é lindo, o verde é mais verde quando a chuva cai, o cheiro de terra molhada os cafezais, os coqueiros, pés de laranja e mangueiras, acerolas, jabuticabeiras, araçás, mamoeiros e outras que nem sei o nome, aqui é uma fartura em tudo menos em sol, pelo menos nessa época do ano.

Enquanto pensava as gotas de água caiam no telhado e na terra deixando-a enlameada, era uma tarde preguiçosa mas ele não tinha sono, observava um mandruvá subindo lentamente o tronco da mangueira que começava a molhar-se pela água que escorria, neste momento pode observar seu avô chegando a cavalo trazendo dentro de um saco um pequeno porco, mesmo de baixo de chuva, seu bisavô teve que sair do banho para ir lá ajudar a colocar o bicho no chiqueiro. Ele também se ofereceu, mas sua vó disse que ele estava seco. Também não insistiu, pensou na meia hora que passou a beira tanque lavando as canelas e os pés cheios de barro e merda, não queria fazer isso de novo. A chuva aumentou, e agora estava dividido entre secar a varanda antes que alague tudo ou continuar vendo a chuva e o mandruvá que insistia em subir no tronco molhado da mangueira. Novamente Eloise lhe veio ha mente, só pensava em Eloise, não conseguia tirar essa menina de sua cabeça.

- Tomara que ela tenha me adicionado no (MSN) eu não posso perder contato com essa garota ela é investimento pro futuro, mas é preciso ir adubando desde já. Ah Eloise, Eloise, o que foi que eu vi nela? Será que ela viu algo em mim? Bom pelo menos eu tentei.

Como é engraçada a ironia do destino, estava tão feliz ali, mas não se sentia completo, era como havia aprendido um dia: “de nada vale a felicidade se não tem com quem dividi-la.” De repente foi tomado por lembranças de seu passado obscuro, lembrou-se de seus amores inacabados

- Como será que anda a Larissa? E Carol, como ela deve estar? Aqui nesse lugar eu posso esquecer os meus amores sem valor, o tempo cura tudo, cura tudo.

Seu pensamento logo se desfez no tempo e escorreu pelos confins de sua mente como a enxurrada escorria pela terra vermelha, sua cabeça está ocupada pensando em Eloise,

- Tomara que não tenha se esquecido de mim!(16h37min)

Mais tarde percebeu que começara a adoecer, estava gripado, arruinou de uma hora pra outra e ainda por cima tinha que aguentar um amigo de seu vô, reclamando da fiscalição do IBAMA. Ele estava revoltado consigo mesmo:

- Será que esse desgraçado não sabe que o mundo ta acabando por causa do desmatamento? Velho filho da puta, tomara que morra queimado. O pior de tudo é que eu nem posso entrar na conversa, ele não entenderia nada. (18h20min)



13 de dezembro Domingo



Hoje pela manha acordou bem, apesar de estar muito cansado pelo trabalho de ontem, aliás, ontem mesmo fez um chá com folhas, alho e cebola, já estava melhorando da gripe. Ontem às 22h55min um amigo ligou. Para sua sorte a Carol estava perto no momento da ligação e então conversaram muito, uma coisa que ela lhe disse e que não lhe saiu da mente foi:

- Estou com saudades volta logo!

- Que ironia do destino. Agora que estou longe ela me quer só depois que perdem é que as pessoas dão valor, ontem quando foi dormir ainda estava com isso na cabeça.

Tentou várias vezes desenhar o rosto de Eloise, mas só desperdiçou papel, enquanto passava a caneta preta sobre os traços que iam se formando no papel, lhe passava um breve pensamento:

- Ahhhhhhhhh como eu desenho mal, agora me arrependo de fugir das aulas de arte.

Mudava seu pensamento de segundo em segundo e mesmo assim todos terminavam com Eloise, estava louco por essa garota obscecado e mesmo com Carol lhe querendo, ali naquele lugar, só conseguia pensar em Eloise.

- O casamento foi ontem, será que ela já acessou a internet? Eu preciso muito acessar também, estou com bom pressentimento, acho que ela me adicionou no (MSN). Oh meu Deus não me deixe perder essa menina. Sem nenhum nexo ou devaneio de minha mente, eu procuro bases para apoiar esse sentimento de posse que eu adquiri em relação a ela. Seja como for, tudo sempre acaba bem. (09h34min).

No almoço comeu como um boi e depois se deitou mas não consegui dormir, “ele nunca consegue dormir à tarde”, agora estava ali sentado no morro perto da casa, onde estava havia pasto por isso havia muito estrume de gado. Sentou-se debaixo de uma goiabeira, na verde grama não há sol e o tempo estava nublado, logo vai chover, lá tem muito morro, parece até Minas Gerais, quando termina uma subida logo começa outra e de onde ele estava dava para ver apenas o pico de um morro e umas serras bem distantes cobertas de mata bem verde Eloise esta além daquelas serras, olhava pra lá se lembrava dela.

Ao lado da cerca uma galinha ciscava o chão com seus pintinhos à sua volta e de vez enquanto ela chuta um deles sem querer, dali podia ver alguns animais pastando lá no pé do morro e outros lá na ponta, de vêz enquanto um grupo de araras atravessa o céu e seguem em direção a mata, perto do morro onde estava havia uma roça de milho, logo ele pensou:

- Será que terei de quebrar milho esse ano? Quebrar milho eu não gosto não mas comer pamonha e bolo é bom.

O céu está cada vez mais escuro logo a chuva vem e mesmo assim borboletas voam por toda a parte, “quanto tempo vive uma borboleta?”

As coisas estão piorando entre seu consenso sobre Eloise, pouco se lembra de seu rosto e agora está começando a esquecer suas conversas, no entanto ainda sentia um bom pressentimento, naquele lugar ele acredita mais em si, nas coisas que quer e em quem ele será

- Essa terra me faz bem, me deixa outro homem, me faz ser grande. Mas uma coisa eu tenho que dizer “se existe mesmo um paraíso essa terra é um pedacinho dele”. Agora consigo ver lá nas montanhas cobertas de árvores a chuva caindo e dando um tom cinza à paisagem, mas ela ainda dará muitas voltas por lá até chegar aqui, enquanto a chuva cai lá de cima a vida aqui em baixo continua, muito verde, muita alegria, muita chuva, pouco sol, muita paz e muito Bob Marley.



14 de dezembro segunda-feira



Hoje acordou tarde, só pra variar um pouquinho, este é um dia quieto, seu avô pegou o rumo logo cedo pra cidade, nem o viu sair, está apenas ele, sua avó e seu bisavô. Enfim o sol apareceu e a chuva que sempre o acompanha dessa vez não veio junto, deve ter ido a outros lugares levar sua água fresca. Após o café sua vó lhe perguntou:

- Já melhorou?

-Já estou bem melhor da gripe vó, me sinto bem de novo.

Não disse a sua vó o resto de seu pensamento: “Mesmo assim só irei ficar bem quando novamente acessar o (MSN), Eloise não sai de minha cabeça, fico como um bobo relembrado das nossas conversas, rindo sozinho das coisas que dissemos um para o outro, estou ficando viciado em Eloise, não vejo a hora de falar com ela novamente, passo horas lembrando-se do seu jeito, de seu sorriso, de seus olhos.”

Ele estava encantado com aquela menina, em seu psicológico ele a tinha como única mulher para a qual viveria; seus pensamentos se confundiam e todos só terminavam com ela.

- No paraíso eu estou sozinho e no inferno estou acompanhado, quando estou lá tem muita gente ruim e outras boas, “mas em todo canto é assim,” aqui quando fico mal eu penso em Eloise, só me preocupo com ela e nada mais, Eloise foi um mito, “será que ela ainda se lembra de mim”? “Bom ... se eu não a esqueci ela certamente lembra-se de mim;” “Nossa como estou patético, daqui a pouco começo a fazer versinho de amor pra ela, Eloise sabes como meu amor por ti é infinito, sabes da grandeza desse sentimento...”

“Preciso parar de ler romance, olha a merda que ta virando. Meu Deus e esse tempo que não passa agora tá um calor dos diabos, o sol não está dando trégua,” “ô chuva volta eu te amo”;

Uma coisa estranha é que sempre se lembra de sua professora de literatura, esse seu devaneio de escritor se deve a ela, “sempre tirou boas notas em suas redações”, até hoje se lembra dela enlouquecida na sala perguntando a qual pessoa pertencia o “você”.

- Você? Você? Você? Você? Você? Você?!

-E olhava pra ele para o resto da sala, ninguém sabia responder e ela nunca parava de perguntar, parecia uma maquininha:

- Você? Você?Você?

- ”Aquilo foi lhe dando um desespero sem lógica começou a chutar: “Eu, tu, ele, nós, vós” ela nunca parava, ele não agüentou, pediu pra sair, foi beber água” tudo isso repassava em sua mente como um filme e foi com saudades que ele recordou desses tempos quando num súbito de vivência ele disse em voz alta mesmo.

- É, daqui a alguns anos eu irei dizer que era feliz e não sabia.

Outra professora que se lembrou foi a de história, ele adorava ficar depois da aula conversando com ela sobre os impérios, as guerras, conquistas e religiões, mas tudo isso volta no próximo ano, ”eu espero”, repetiu consigo mesmo.

Seu bisavô coitado, já está meio caduco, diz que o pessoal da televisão, assim como nós os vemos eles nos vêem também, ele fala pra não passar despido na frente da televisão que o povo do outro lado vai ver e vão rir da gente, coitado. É uma comédia poder compartilhar um pouco dessa loucura. Mas loucura mesmo aquele lugar se transforma quando sua mãe chega. Ele é quieto na dele, mas sua mãe enlouquece todo mundo, ela traz a alegria na bagagem, tá certo que ele perde um pouco de sua paz quando ela vem, mas vale à pena. Pra dizer mesmo a verdade paz ele tem quando esta lá no alto do morro chupando laranja como um índio e se lembrando de Eloise, só isso e nada mais, o vento batendo na sua cara o cheiro de capim, a copa das arvores balançando os animais ali perto pastando, a liberdade, o instinto de homem bicho, isso é que é vida, só lhe falta um violão e Eloise, mais nada, será que assim, alguém o entende? Em meio a sua loucura de amor lírico ele começa a ser tomado pelo tédio da situação:

- Vejo que essa viagem só valeu apena porque conheci Eloise, “Tenho que parar de falar nela senão isso aqui vira romance açucarado. Mesmo assim, Eloise te espero aqui em cima, traz o violão menina. (14h37min).





15 de dezembro terça-feira



Ontem foi um dia bom, passou a maior parte do tempo lendo, mas no final do dia haveria uma surpresa, já se sabe que lá o clima é complicado e ontem no final da tarde o tempo ficou fechado, só que não caiu uma gota, apenas escureceu e nublou, o que veio mesmo foi um trovão que levou a luz embora, fez uma barulheira imensa que assustou todo mundo. Ontem também um amigo ligou e mais uma vez Carol estava perto, logo passou um tempão falando com ela, aquela voz meiga lhe causava calafrios dizendo besteirinhas ao telefone, conversaram até acabarem os créditos do telefone, em sua mente outra pergunta o preocupava:

- Acho que vou demorar pra falar com ela novamente, ela bem que podia comprar um telefone pra eu ligar todas as noites, ouvir aquela voz e imaginar aquela tentação de menina entre quatro paredes. Devaneios eróticos... coisa de homem ou de animal? Como diz a música “quando penso em nós dois, deixo tudo pra depois; quando penso em nó três, deixo pra outra vez.” Melhor deixar pra lá.

Hoje ganhou um companheiro de bordo, seu primo veio para lhe fazer companhia, talvez assim o tempo passe mais rápido, o tédio já se apoderara, não vê a hora de matar a saudade e saber que rumo terá sua vida. Ainda se lembra de Eloise e quer, agora nessa semana, ir até a cidade ver seu tio e conhecer mais essa terra. Hoje foi à mata tirar uma vara para tirar coco, subiu num tronco coberto de lodo, escorregou e caiu, quase morreu de susto quando o facão lhe caiu ao lado da perna cravando sua ponta na terra coberta de folhas secas, quando chegou ao sítio com a vara grande e pesada se deparou com outra dificuldade:

__Meu Deus, como o coqueiro cresce!

A vara tinha uns 15m, e mesmo assim deu uma trabalheira dos diabos para derrubar um coco e ainda assim, quando conseguiu derrubar o maldito,como ele mesmo disse, a água estava com um gosto ruim, foi a primeira vez em 05 anos que o coqueiro deu água ruim:

- Este mundo ta mudando mesmo!

- Jogue sal na raiz do coqueiro que resolve! Disse sua vó ele ficou quieto. Sua vó enlouqueceu de medo quando o raio caiu, pensou ter queimado televisão geladeira e tudo mais, não parava de fazer-lhe perguntas se havia queimado ou não:

- Só da pra saber quando a energia voltar vó!

Mas o pior de tudo foi ter passado a noite sem energia, a eletricidade só voltou no outro dia às 11h48min.

- Este lugar está muito divertido!

Seu avô enfim voltou da cidade bem mais alegre, parece até um menino. Sua mãe não ligou até hoje, ontem alguém lhe mandara uma mensagem dizendo:

- Boa noite, beijos.

Ela nunca lhe mandara mensagem alguma e de repente... Depois de ter lido a mensagem ele pensou:

- Vai entender as mulheres, gostam de estar no comando das coisas e quando vêem que estão perdendo, aí então dão valor. Bom, neste aspecto não são só as mulheres, todos somos assim. “A vida é uma merda mesmo”, quando for até a cidade pretendo comprar um caderno para desenho, vou aprender a desenhar logo, não quero me esquecer do rosto de Eloise, pretendo gravá-lo num pedaço de papel, pedir seu endereço, vou escrever cartas e mandar flores. É que sou poeta e poeta é louco tem amor demais, tem de tudo um pouco. (18h43min).



16 de dezembro quart- feira



Acordou cedo apenas para ver o sol, “isso foi seu momento gay escrito aqui”, “mas vamos lá”. A chuva que não caiu ontem veio de uma hora para outra pela manhã de hoje, hoje também o diário de bordo foi lido pela primeira pessoa além de seu autor, sua tia, depois de ler ela lhe perguntou:

- Quem é Eloise?

- Uma amiga!

Também em todas as páginas tem o nome dela, o diário de bordo era pra falar das belezas dessa terra e não de Eloise, mas não é o que acontece. Amanhã ele irá até a cidade para ver se tem contato com Eloise, se ele tiver ainda irá tê-la em seus pensamentos, mas caso isso não aconteça precisa esquecê-la já.

- Não vejo a hora de matar essa curiosidade, vou para cidade e só retorno na sexta.

Pela tarde, ou melhor dizendo, pela manhã ficou lendo o tempo todo e passou a tarde inteira vendo televisão, também foi para caminhada de costume, mas chegou só na metade do caminho, estava voltando, uma forte chuva, e o caminho já estava todo enlameado apesar de ser cascalhado; não fez nenhum trabalho, passou o dia à toa, lendo e vendo televisão, antes de se deitar ainda sentado na cama um breve pensamento lhe veio na cabeça:

- Espero ter boas notícias em relação à Eloise, espero também falar com alguns amigos e saber como andam as coisas, ver meu tio e tia e o resto são resto, vive-se uma coisa de cada vez, no mais espero apenas isso do dia de amanhã. (17h28min)



17 de dezembro quinta-feira



Acordou cedo com medo de perder á hora e logo de manhã lembrou-se de sua mãe, ela ligou ontem:

- Estou com saudades filho.

Mãe é mãe. Hoje de madrugada, lá pelas cinco da manhã uma menina de valor muito importante em sua vida ligou, deu apenas duas chamadas e nada mais, ligou mesmo apenas para atormentá-lo, assim como ele fazia com ela, já se falam há tanto tempo e ele nunca a viu cara a cara, apenas pela internet mantém conversas. Pegou o ônibus cedo para a cidade, no caminho ficou admirado com a paisagem e com o som do motor do ônibus que urrava para subir os morros, uma aventura atrás da outra. Dentro do ônibus estava tudo empoeirado e tinha uma mulher com cabelos nas pernas que ficava o encarando de uma maneira estranha. O motorista dizia bom dia a todos os passageiros que entravam e até logo a todos que saíam, ele apenas pensou:

- Esse cara deve ser feliz, deve ter uma esposa que o ama e filhos que lhe dão orgulho, vendo isso vejo que é preciso pouco para um homem ser feliz, basta ter apenas o necessário, ter amor para com o próximo. Hoje quando chegou à cidade foi dar uma volta para rever lugares e conhecer outros tantos. Aqui não é muito diferente, a julgar pelas ruas sujas de areia, as casas na sua grande maioria de madeira e os morros que tem pra todo lado, mais morro meeeesmo, isso aqui parece os Alpes chilenos.

Quando entrou na internet logo acessou seu (MSN), não avistou nenhum sinal de Eloise, procurou por todos os cantos da internet, (Orkut, MSN, E-Mail) e não a encontrou,organizou até um mutirão com os amigos on-line do (MSN) pra ver se conseguiriam encontrá-la, mas não foi possível. Ela não o aceitara em sua vida. Ele não fez o suficiente para prendê-la a ele, não mais a procurará, no entanto, ele se conhece e não se surpreenda se novamente pensar em Eloise, ela foi um brinquedo de sua imaginação, e enquanto caminhava de volta para o hotel juntava os cacos com sua própria consciência.

- Poxa só conversamos um pouco e mais nada, nem todo mundo é como tu meu caro.

- Mas eu pensei que ela fosse...

- Passou e vamos tocar pra frente.

- Falei com o passado no (MSN), ela continua com aquele lenga, lenga de antes.

- Sim meu caro seu destino é seguir sozinho mundo afora.

- É o caramba, um dia eu arranjo uma, “olha parece até um encalhado falando”, também quero ser homem humano (não um homem coisa), ter família um cachorro e um papagaio, dormir abraçado com minha nega e acordar com os meninos na cama, quero sofrer a dor da perda e sentir a alegria do amor.

Hoje conversei com um amigo muito antigo;

-Tenho más noticias!

- Que aconteceu?

- Rebeca foi embora para São Paulo SP!

- Lá se foi mais uma das minhas! Acho que vou virar monge, morar no alto de um morro em uma cabana de madeira com um violão e um cachorro e vou viver de brisa, logo, logo, eu viro santo.

Depois de saírem da internet voltaram para o hotel, almoçaram às três da tarde e gostaram da comida, depois jogaram um pouco de conversa fora e logo ele foi dormir, acordou às 18h e logo foi à sorveteria com tio e tia. Logo foi só um jeito de falar porque o tio se arrumou como uma moça. Partiram para a sorveteria, ele seu primo, sua tia e seu tio. Seu tio todo, todo, sua tia meio estressada e ele se distraía encantado com a cidadezinha que à noite ficava ainda mais bela. O primo ia cantando e falando coisas que ele nem ouvia direito, o mesmo fazia o tio cantava coisa com coisa, de repente ele para pra ouvi-los e logo pensa:

- Esse povo é meio doido.

Quando chegaram à sorveteria seu tio bebeu cerveja ele ficou com a garganta seca de vontade de beber também, mas preferiu tomar sorvete com os outros, ele e seu primo terminaram primeiro e de lá mesmo já foram acessar mais uma vez a internet, quando saíram seu tio e sua tia estavam discutindo,mais uma vez pra variar.

- Como eles agüentam discutir o dia inteiro?

- Deve ser por isso que se casaram!

- Como a vida tem mistérios e soluções!

Ficaram pouco tempo na internet sua grana estava curta e ele precisava acessar mais vezes, no caminho viu vários grupos de meninas e lhe passou uma pergunta pela cabeça:

- Por que não procurar meninas dali ao invés de procurar Eloise?

Haverá uma festa amanhã na cidade, mas ele já não estará mais aqui, pela tarde do dia seguinte terá de partir contra sua vontade para o sítio. Enquanto caminhava de volta para o hotel lembrou-se das dificuldades que ainda terá pela frente, faculdade, trabalho, mundo capitalista que também é o mesmo mundo do efeito estufa. Ta acabando em pizza as reuniões que tratam do clima do mundo, os países ricos não querem ajudar os pobres, mas se esquecem que vivemos no mesmo mundo e que os países pobres não têm ao menos a metade da culpa pelo efeito estufa do mundo, somos todos filhos de um só criador, vamos morrer todos isso sim e vamos todos para o inferno. Após pensar em tudo isso, uma lágrima de raiva escorreu-lhe sobre as faces, fechou os punhos de maneira a ferir-se a si mesmo.

Chegou ao hotel cansado e com muito sono nem banho tomou, tirou os sapatos e caiu na cama com o último pensamento a cabeça:

- Não há mais nada para se dizer, vou dormir e sonhar com elas... (22h40min)



18 de dezembro sexta-feira



Acordou tarde hoje, dormiu bem no hotel e logo pela manhã pegou o telefone para passar um trote em alguém.

- Alô, quem ta falando?

- Aqui é o Jorjão, quem ta falando?

- Oi Jorjinho como você ta?

- Eu to bem mano quem ta falando?

- Calma Jorjinho...

- Calma Jorjinho o Caralho. Mano, quem ta falando porra?

- Aqui é Juninho pé de fumo eu quero falar com a patroa ae mano, chama ela pra mim aquela gostosa.

- Cê não vai falar com ninguém aqui seu filho da puta, maloqueiro, vagabundo, respeita a minha mulher seu moleque, eu vou te pegar na rua seu cachorro.

- Parabéns você acabou de ganhar na promoção fale mal do seu patrão, você esta demitido.

- O patrãozinho é senhor, eu pensei que fosse um vagabundo então...

- Não quero saber você está demitido

- Calmo chefinho vai conversar... Alo,alo,alo? Alo?

Depois escovou os dentes e foi tomar café no andar superior do hotel, comeu bastante estava com muita fome, depois partiu para dar mais algumas voltas na cidade o tempo estava bom e ainda era bem cedo ficou um pouco na praça com seu primo, não havia nada para se fazer o tédio logo viria, então ficaram por lá mesmo jogando conversa fora, quase não passava gente e quando passava era em sua maioria homens.

- Mais que diacho de cidade que só tem home, meu Deus aonde eu vim parar, não entendo como pode haver tanto homem neste lugar, mas que inferno de cidade, eu quero ir para um lugar onde eu possa ver um monte de meninas indo e vindo.

Depois de ficarem um bom tempo sentados no banco da praça observando a “machaiada” foram mais uma vez acessar a internet, conversou com algumas pessoas e mais uma vez procurou por Eloise e nada, seus pensamentos começaram a lhe confundir os sentidos novamente.

- Agora posso dizer que minhas buscas por Eloise estão encerradas, no entanto ainda tenho um sentimento de positivismo, ela pode ter guardado o papel em algum lugar da mochila e ele deve estar lá só esperando ela desarrumar as malas. Seja como for agora eu estou mais calmo, já não tenho mais aquele alvoroço todo, a tal curiosidade de antes.

Depois de saírem da internet foram de volta para o hotel fizeram um bom teréré e por lá ficaram até sua tia chegar, ela foi fazer o almoço e logo depois seu tio chegou, mal trocaram cumprimentos e já começaram a discutir só pra não perder o costume. Depois do almoço que mais pareceu lanche da tarde, ele partiu com seu primo para a rodoviária pegar o ônibus de volta para o sitio, no meio do caminho caiu uma chuva que os deixou ilhados num posto de gasolina por causa da enxurrada, ao lado da lanchonete ele avistou alguns fazendeiros gordos e felizes, a chuva faz crescer o pasto, pensou ele, deve ser por isso.

Logo apareceu uma mulher loira num salto alto de olhos bem azuis e de corpo moldado a mão, com uma calça jeans bem colada e um uniforme que eles não sabiam de onde era. Não demorou muito e um frentista mulato de estatura baixa e com uma barriga de melancia foi puxar conversa com a mulher, que mal lhe respondia às perguntas, a mulher prestava atenção apenas no guarda chuva que se fechava, e na chuva que nunca parava de cair, o cheiro de gasolina tomava conta do ar misturando-se com o frescor da água, virou uma mistura estranha de odores mas até que ele estava gostando daquela situação, logo que a chuva se transformou em garoa, a loira abriu o guarda chuva e mal disse bom dia ao mulato que só sorria com um sorriso largo, partiu a passos apressados, mal a loira caminhou 10m e o mulato já começou a falar de suas pernas para outro mulato que chegou logo depois da partida da loira, os dois riam feito moleques olhando a loira ir embora.

Quando a chuva parou partiram para a rodoviária, ele reparou que na rua que era coberta de areia agora estava cheia de poças e enxurradas, chegaram a rodoviária cedo demais e tiveram que esperar de pé o ônibus que se atrasou por uma hora.

- Ônibus desgraçado, porque é que enrola tanto essa porcaria?

- Ele vem de longe e bem devagar porque é bem velho! Respondeu um homem que estava do seu lado

- Sorte a dele!

Depois de muita espera o ônibus finalmente chegou, era bem velho mesmo, mas o homem esqueceu-se de dizer que ele também estava bem sujo. Logo que chegou lotou de tanto passageiro querendo entrar. Ele teve que viajar em pé, perto do ponto onde ele iria descer ele começou a atravessar o ônibus, esbarrou em um monte de gente suada e fedendo a macaco morto a tapa:

- Me dê licença, por favor, licença, desculpa, olha essa mão dona, com licença, me desculpe, cuidado o pé dona. Saí da minha frente satanás eu quero passar porra...

Depois que ele deu esse grito ninguém mais do corredor ficou na sua frente, quando ele chegou à escada da saída ele ainda gritou outra coisa: “obrigado gente”; o ônibus já ia saindo quando da última janela veio um tomate maduro que se espatifou na sua cara, e de lá de dentro alguém ainda gritou:

- Toma seu satanás filho de uma macaca.

- Eu te pego cabra da peste, desgraçado, vai toma um banho macaco...

O ônibus já ia bem à frente quando ele gritou essas últimas palavras, lá foi ele com as malas, seu primo e o resto de tomate que ele ainda não conseguira limpar. Os dois subiram os morros intermináveis, ao menos não fazia sol, mas foi só terminar a primeira parte do trajeto que o sol apareceu por de traz das nuvens, enfurecido, secando a terra, o mato e a floresta e seu cérebro também, neste momento ele foi acometido por uma corrente de mal estar, uma preguiça infernal se apossou dele, o cheiro de tomate estragado entrando pelas narinas e circulando em seus pulmões e neurônios, ele parou debaixo de uma sombra e se sentou:

- Ta passando mal primo?

- Não só estou cansado.

- Deve ser esse tomate escorrendo em sua cabeça.

- É, pode ser, vamos que temos muito morro pela frente.

- Sim, vamos.

Ele se levantou e os dois saíram caminhando, o sol continuava forte e o calor só aumentava a cada hora, depois de muito caminhar enfim conseguiram chegar ao sítio.

Ele tomou banho e não explicou o que o tomate estava fazendo em sua cabeça, comeu 08 pedaços de bolo de fubá que sua vó acabara de fazer, depois de comer seu avô lhe chamou para cortar galhos da mangueira que estavam quase desatando os fios de energia do padrão, sobrou pra ele subir na mangueira e cortar os galhos, na subida foi uma guerra ele já não tinha a mesma flexibilidade de quando tinha 15 anos e pra melhorar sua subida havia formigas por todo o tronco da árvore:

- Árvore filha da puta, como pode ter tanta formiga “vôôô, não tem galho pra subir.””

- Sobe meu filho, sobe rápido que elas não te ferroam.

-Ai formiga do inferno, tentação,

Não teve jeito, ele conseguiu subir na mangueira mas só depois de tomar muitas ferroadas das formigas; o primeiro galho foi fácil, tinha a espessura de um punho, o segundo tinha a de um joelho; aí seu braço começou a doer,estava cortando a facão os galhos mas mesmo assim não parou. Cortou o maldito e quando terminou ainda havia outro da espessura de uma panturrilha, seu braço quase caiu de tão mole que ficou e depois pra descer ele não podia contar com ele como apoio, doía-lhe tudo e lá estavam as formigas o esperando pra uma revanche. No meio da decida teve cãibra na perna direita e parou para descansar, mas as formigas já vinham ao seu encontro e quando elas começaram a subir no seu pé ele não teve escolha a não ser se jogar de lá mesmo. Pulou e caiu de pé perto de um banco de madeira que parecia estar lá apenas para atrapalhar a sua queda, nunca pensou que cortar galhas desse tanto trabalho, depois ele e seu bisavô tiveram de arrastar os galhos cortados para bem longe, enquanto seu avô derrubava uma palmeira a machadadas e seu primo cortava galhos de uma laranjeira. Quando terminou de arrastar a galharada da mangueira teve que derrubar uma árvore que crescia junto ao pé de laranja, o corte precisava ser feito bem no talo da árvore, então teve de ficar dando machadadas, curvado, o que seu avô já não conseguia mais fazer. Depois de derrubar a árvore ele a arrastou até o meio da braqueária junto aos galhos da mangueira, depois de tudo isso ele só queria duas coisas, um banho bem gelado e uma cama. Foi o que fez. Tomou um banho de meia hora jantou por três homens e se deitou para descansar, enquanto, permanecia deitado, pode observar que se esquecera da luz acesa, logo um mundo de insetos se apoderou de seu quarto, ele levantou e foi apagar a luz com um resmungado baixinho:

- Insetos malditos.

Sua vó e seu bisavô estão assistindo novela na sala, no último volume só pra variar um pouco, seu avô está deitado ainda não tomou banho e isso irritava sua vó

- Vai toma banho home porco!

- Não me estressa não muié, eu trabalhei o dia inteiro e to cansado!

- Eu não vou dormir com home porco não!

- Vai encher o saco da égua!

Ele permaneceu deitado, mas logo iria ao banheiro tomar seu banho.

O viajante se deitou e antes de dormir ainda se lembrou dos olhos de Eloise, e no delírio de seu pensamento disse com uma voz baixinha como se estivesse sussurrando no ouvido de alguém: (19h58min)

- Boa noite anjo meu!



19 de dezembro sábado



Quando acordou pela manhã sentiu um perfume que há muito tempo não sentia.

Começou o dia cantarolando, se sentia ora feliz ora triste, o tempo continuava do mesmo jeito só que agora o sol aparecia com mais freqüência. Pela manhã depois do café foi ajudar seu avô e seu primo a rachar lenha, pensou que seria fácil, só pensou, tiveram de caminhar até o pasto do sítio vizinho para buscarem a tal lenha e quando chegaram lá ainda tiveram de cerrar o tronco de uma árvore seca que estava por lá caída, o terreno era íngreme pois estavam na descida de um morro, o serrote era daqueles bem antigos, um segura numa ponta e o outro segura na outra ponta, esse serrote foi muito usado pelos colonos portugueses e índios nativos, pensou ele, no começo era divertido mais depois vieram as dores. Como o terreno era desnivelado um sempre tinha de ficar agachado e serrando ao mesmo tempo, todos ali tinham problema de coluna exceto ele e seu primo que ainda era pequeno demais e mal sabia serrar. Novamente sobrou pra ele ficar agachado, as dores nas costas vieram primeiro depois os braços começaram a doer também, ele não estava habituado com o trabalho pesado e mesmo assim não parava, pois seu avô de 74 anos não reclamava de nenhuma dor por que ele de 17 reclamaria.

Depois de serrar a lenha em pequenos tocos de meio metro cada, tiveram de carregar até a cerca de divisa dos sítios e depois colocá-los no carrinho de mão, foi um sacrifício levar aqueles tocos de lenha até a cerca e agora ele ainda tinha de carregá-los até o sitio com o carrinho de mão, doíam-lhe os braços, os rins e as costas, já estava começando a ter cãibras nas pernas por carregar a pesada lenha morro acima, e para piorar tudo veio uma chuva gelada que logo encharcou o pasto o deixando liso feito sabão. Várias vezes escorregou mas nunca caía, de repente se lembrou do dia em que lá no sitio chegara, a estrada toda enlameada o peso das malas a sua paixão por Eloise o medo de um lugar desconhecido, a vida lhe escorrendo pelos confins do tempo.

Seu avô vinha lá atrás caminhando bem devagarzinho vinha, carregando um toco enorme nas costas, o carrinho de mão ficou lotado então não daria para o viajante subir o morro, seu avô o jogou nas costas e trouxe meio cambaleando também, seu primo ia com outro toco menor mais na frente para abrir as porteiras, a chuva continuava caindo e eles já estavam todos molhados, seu bisavô era o último, vinha trazendo o serrote. Depois de terem chegado ao sítio descarregaram a lenha no paiol, depois disso ele teve de rachar um toco a machadadas procurando madeira boa para fazer cabo de martelo, depois de rachar o toco em várias lascas seu avô lhe disse que a madeira não era boa, isso o irritou, mas ficou calado, seu avô olhava com olhos de menino para a pilha de lenha e disse:

- Outro dia a gente racha outro pra tirar o cabo!

- Concordo vô!

Ele estava cansado, molhado e ainda meio gripado, teria que tomar banho no meio do dia coisa que ele odiava fazer, ficou olhando a chuva que nunca parava de cair e acabou por se distrair, começou a viajar pra longe com seus pensamentos, sentou-se e foi tomado por uma grande preguiça, veio um sono que fez o abaixar a cabeça e quase cochilar, se não fosse ao seu primo lhe chamar para ir embora, teria dormido ali mesmo no paiol.

- Ta com sono primo? Acorda, vamos, a chuva parou!

- Ah sim, vamos!

Tomou banho e foi almoçar, estava com uma fome de leão e enquanto comia pensava:

- Nossa! Como minha vó cozinha bem, será que é por causa da fome? Não, ela cozinha bem mesmo.

Comeu fazendo jus a um verdadeiro esfomeado e depois ficou com aquela sensação de pesar que todo mundo fica depois de comer mais do que consegue, assistiu o jornal e depois foi se deitar, o tempo estava nublado não fazia calor e se não fosse pelo volume da televisão que os surdos assistiam teria dormido. Foi ler um pouco, terminou hoje o livro TERRA VERMELHA, um dos melhores que já lera, após terminar a leitura o fechou e ficou olhando sua capa pensativo consigo mesmo:

- Jamais ouvirei o nome deste livro sem me lembrar da minha professora literária e de minha louca paixão Eloise.

Agora está na varanda ouvindo o barulho dos pequenos pássaros, os grilos, o tempo continua nublado, um casal de araras passa gritando pelo céu e logo um bando de papagaios vem atrás com sua algazarra musical. Hoje uma notícia de jornal o deixou muito triste e preocupado, o tratado de que os países se reuniram para assinar em (Copenhague capital da Dinamarca,norte Europeu) não foi assinado e o futuro do mundo continua nas mãos do capitalismo e não nas mãos dos homens como um dia foi, muita desgraça climática ainda irá acontecer até que a humanidade tome vergonha na cara, só que quem irá sofrer mais com tudo isso serão os pobres que não podem fazer nada e dependem de governos que os sustentam ao invés de criar empregos os deixando mal acostumados.O paraíso e o inferno estão aqui na terra, só que a felicidade de alguns é a tristeza de outros. Depois de concluir isso ficou procurando uma visão que o consolasse, olhou para mata de onde retirou a vara para apanhar coco e se acalmou por dentro.

O sol está quase indo embora e são nessas horas que o sentimento lírico se apossa de seu corpo, lembrou-se de seus amores, suas conquistas e derrotas, tudo isso em uma paz muito remota, o vento, a chuva que recomeçara ...o vento fresco.

- Obrigado senhor pelos dias de sorriso e pelos de tristeza também. (17h53min)



20 de dezembro domingo



Pela manhã ele e seu primo partiram novamente para a mata atrás de outra vara de para derrubar coco, a outra quebrou logo depois que derrubaram o primeiro. Dessa vez depois de muita luta conseguiram serrar uma vara de Banbu, que deveria ter uns 20m de comprimento.

- Céus! Como dá trabalho tirar Bambu!

Depois de serrar o tronco teve de puxar o maldito até quase o meio da mata, foi quando a copa do Bambu enroscou na dos outros e não ia nem para frente e muito menos para traz:

- O Bambu desgraçado, eu tiro você filho de uma rapariga.

Seu primo vendo seu stress subiu no tronco e começou a cortar os galhos e cipós que impediam o Bambu de cair ao chão, depois de finalmente tombar a planta no chão tiveram de arrastá-lo até o meio da estrada onde o amarraram na bicicleta de seu primo e lá foram os dois carregando o Bambu pela estrada morro acima, o difícil era fazer as curvas e quando chegaram no sítio ele cortou o Bambu no talo pra fazer artesanato. Deu certo, depois de serrar vários talos, uns ficaram pequenos outros rachavam e por aí foi. Levou quase o dia todo pra fazer o artesanato.

No meio da tarde foi no canavial, pegou várias canas, subiu no alto do morro ali perto da casa e lá ficou vendo a chuva que vinha e voltava lá pelas montanhas, olhou pra esse fenômeno e se lembrou de Eloise.

- Ainda a tenho em meus pensamentos, como eu posso ficar assim? Eu preciso esquecer essa menina.

A chuva chegou, voltou para casa, tomou banho, jantou, foi dormir e novamente ainda pensando em Eloise disse com a mesma voz de antes.

- Boa noite anjo meu. (19h57min)



21 de dezembro segunda-feira



Hoje acordou no mesmo horário, agora pegou mania de acordar de madrugada e depois dormir de novo. Logo cedo seu avô foi para a cidade e é quase certo que ele não retorna hoje, tomou um café diferente queijo e bolachas com leite e café, sua avó se esqueceu de fazer pão, mas à tarde ela fez os gloriosos pães e ele comeu até se sentir pesado e lento. Depois de comer pela manhã foi ajudar seu bisavô com o preparo da terra para o plantio de batatas, deu uma trabalheira dos diabos amontoarem a terra e depois espalhá-la, disse isso a seu bisavô depois que terminaram. Enquanto isso sua avó se dividia em lavar roupa e fazer almoço. Depois que terminou o trabalho com a terra ele foi colher algumas acerolas para um delicioso suco natural, ele adora suco natural e principalmente de acerola.

- Fruta melhor que acerola eu desconheço, por mim só beberia isso.

Depois do almoço todos estavam jogados pelo chão da sala, comeram muito e estavam todos pesados e sonolentos, enquanto alguns assistiam o jornal outros roncavam sossegados nos sofás e camas, o viajante ficou envergonhado pelo que o noticiário do jornal dizia, só se falava em corrupção em Brasília, aquecimento global...

- Só falar não adianta nada, tem é que prender esses vagabundo filha da puta!

Depois do jornal foi para o morro perto da casa, no caminho foi pensando.

- To parecendo favelado, agora não saio do morro!

De lá ficou olhando as serras lá no horizonte que já estavam cobertas pelo cinza das chuvas que lá estavam, ficou olhando de pé esperando a chuva vir de lá, um vento muito forte que quase deitava as arvores veio trazendo a chuva que vinha lenta como um jabuti gigante, ficou reparando no jeito como o vento arrastava as pesadas nuvens de chuva, parecia um pai trazendo a noiva para o altar e ele era o noivo, a chuva estava tão forte que já não se via as serras, estava tudo branco, e aos poucos ela foi chegando, primeiro com pequenas gotas depois com gotas geladas e pesadas a ponto de parecerem pedrinhas de gelo, um calafrio lhe subiram pela espinha, continuou lá onde estava, o vento continuava forte, logo ele estava ensopado no meio de um pasto no alto de um morro, parecia um louco, mas ele continuava lá, admirado com a natureza a força da vida, o prazer de se estar vivo, foi quando viu um pé de jaca lá no pé do morro, não deu outra, dentro de poucos minutos lá estava ele no alto do morro de baixo da chuva e no meio da ventania. Nunca se sentiu tão vivo com vento e a chuva desse dia, as gotas batiam em seu rosto como granizo no telhado, tudo estava bom, estava perfeito, ele podia morrer naquela hora que morreria feliz, levaria o bom da vida consigo, a mata, o vento, a chuva, o verde do pasto, o barulho do mato.

Depois da chuva voltou para casa, tomou um banho, passou o resto do dia lendo e dormiu enquanto sua avó limpava as paredes da casa e seu primo arrumava o guarda-roupa, depois de muito dormir, levantou e foi jantar, assistiu o noticiário e logo foi se deitar, novamente em seu pensamento lhe veio à frase.

- Boa noite anjo meu. (20h04min)





22 de dezembro terça-feira



Acordou bem disposto, no entanto uma preguiça desgraçada se apoderou dele, a única parte em si que estava disposto era seu raciocínio, pois neste momento ele estava alucinado lembrando-se dos momentos com Eloise.

Depois de levantar comeu como um louco no café da manhã e voltou para cama, ainda estava com sono, pois na noite anterior, foi dormir tarde porque os surdos estavam assistindo um programa até altas horas. Depois de cochilar levantou novamente e novamente comeu, pegou o livro e começou a ler, leu pouco mais de 40 páginas, de súbito lhe veio uma fadiga dos diabos, não havia nada para se fazer, nada mesmo, ligou a TV e começou a assistir, enquanto assistia, pensou com sigo mesmo.

- Aqui no começo tava bom, mas agora ta um saco!

Desligou a TV e novamente a fadiga lhe veio do além, voltou para cama. Depois do almoço foi lá pro morro, levou o livro, mas quando chegou lá não leu a preguiça lhe dominava a alma.

- Meu deus que preguiça desgraçada, que dia chato!

Deitou na grama debaixo de uma goiabeira, o sol veio em rosto, se levantou e deitou em outro lugar, uma vaca veio e o presenteou depositando uma merda bem ao seu lado e depois deu um forte berro como se dissesse, “gostou?” “levanta vagabundo”. Só Deus sabe o quanto ele amaldiçoou aquela vaca.

- Vaca filha da puta, SAI DAQUI!

Levantou, catou uma goiaba e enquanto comia, admirava a paisagem, tudo continua verde, as araras voando e gritando, as vacas pastando e defecando sempre no lugar errado. Reparando a paisagem nem percebeu que a goiaba estava podre, sim meu caro, o viajante mastigou goiaba e bicho junto, só percebeu isso por causa do gosto amargo. Voltou para casa correndo e lavou a boca, pegou o telefone e voltou para o morro, escreveu mensagens e as enviou para muita gente, depois disso deitou-se novamente na grama, dessa vez ele tocou a vaca, mas ele não sabia que diabos ela tinha, pois insistia sempre em voltar. Passou a tarde inteira ou o que sobrou dela lembrando de um povo e sendo atormentado, ora pela vaca, ora pelo seu primo.

- Às vezes esse povo me da nos nervos, mas parente é assim mesmo!

No final da tarde quando nem a vaca e nem seu primo o atormentava, ele fechara os olhos e se lembrara de tal pessoa.

- Me lembro muito bem quando ela foi até minha casa com uma lição de história, ela não sabia nada e eu a ensinei tudo, aquela menina já estava com um corpo de mulher, seios despontando, voz meiga, quadris largos e pernas grosas e pra me enfezar ainda mais ou apenas por hábito ela me aparece lá em casa com um shortinho de 15 centímetros, no entanto, conversava sem malícia e só discutia temas sobre a lição. Em minha mente já estávamos fazendo besteirinhas entre quatro paredes, ela fazia perguntas do tipo.

- Onde fica o mar mediterrâneo?

- Em sua maior parte na Europa anjo.

- Qual a capital do império romano do ocidente?

-Roma, coração. Mulheres... Como resisti-las?!

De quando em quando tinha que abrir os olhos, pois seu primo e a vaca voltavam a atormentar. Novamente fechou os olhos e começou a pesar.

- O tempo agora está passando rápido, dezembro “já e era” logo vem janeiro e retorno a minha vida medíocre, normal, rotineira, estressante e infeliz.

Nesses dias em que não faz nada lhe sobra mais tempo pra lembrar-se do passado agora todo dia antes de dormir ele sonha com seus planos, ele tem medo assim como qualquer outro, do desconhecido, e assim ele passa horas misturando, o passado, presente e o futuro, isso tudo lhe atormenta a alma, quando se da por si, uma raiva imprescindível lhe consome o corpo.

- Hoje parece que vou dormir tarde novamente, o povo não enjoa de televisão!

O céu está sem estrelas, sinal que haverá chuva, ele tomou banho e quando saiu finalmente viu seu avô, ele voltou da cidade alegre como sempre, jantou ouvindo alguns “causos” de quando se avô era novo, ele estava louco de sono e mesmo assim só saiu da mesa quando se avô foi tomar banho, em seguida deitou-se e não viu mais nada. (20h52min)



23 de dezembro quarta-feira



Logo pela manha seu avô lhe acordou cedo.

- Filho, filho, levanta, venha ajudar o vô.

Quando ele ouviu isso logo pensou na lenha que teria de rachar, mau ele sabia que era coisa bem pior. Levantou ainda meio sonolento, tomou café depois de escovar os e ficou esperando, quando ele veio em sua direção e disse.

- Filho, vamu capar os porcos!

O viajante pensou.

- Meu Deus, como se faz isso? Coitado do porco.

Seu avô amolou o canivete enquanto seu primo entrava no chiqueiro, para pegar o porco mais novo, seu primo grudou nas orelhas do bicho e o arrastou até a beira do chiqueiro, lá o viajante ainda meio sonolento teve que segurar o bicho pelas patas traseiras, logo jogaram o porco no chão e seguraram, seu primo colocou o joelho esquerdo na paleta do bicho e o outro em cima do pescoço para evitar uma possível mordida, o viajante segurou as patas traseiras e apoiou o joelho direito e sua barriga, seu avô disse:

- Segura bem firme, o vô vai capar!

- Presepada viu.

No primeiro corte o porco deu um gemido monstruoso mas depois piorou, a cada corte o porco esperneava com mais força e berrava mais alto, o que a princípio assustou o nosso viajante, o porco era pequeno mais adquiriu a força de um bezerro, seu avô passou apenas cinco vezes a navalha no saco do bicho, depois puxou os seus testículos para fora e nesse momento o porco enlouqueceu,quase escapou e urrava mais alto ainda, e seu avô lhe gritava:

- Segura meu filho, segura com força!

Seu avô após ter cortado os testículos do pobre animal, jogou água e sal no ferimento, neste momento o porco apenas respirava ofegante, pois já estava cansado de tanto se debater e gritar, o viajante quase ficou surdo com a gritaria do bicho que agora está mais calmo, depois de lavar a capação, seu avô apertou o pinto do porco que esguichou um jato de urina direto no pé do viajante.

- Só me faltava essa vô! Urina de porco capado no pé.

- Ta batizado filho, pronto só falta mais um.

Pegaram o porco e o jogaram novamente dentro do chiqueiro, o cheiro de estrume, urina e sangue tomavam conta do ar, o viajante quase colocou seu café da manhã pra fora do estômago, no entanto havia ainda o mais difícil, tinha um outro porco que media o dobro do tamanho do primeiro, o procedimento foi o mesmo, só que dessa vez até seu bisavô veio para ajudar a segurar o bicho,o porco não parava um só instante.

- Meu Deus que bicho encapetado.

O segundo porco derramou mais sangue e menos urina, urinou dessa vez no pé de seu bisavô que disse em voz baixa.

- Porco dos infernos, eu te quero numa feijoada maldito, engorde bastante.

- Ta rezando vô?

- Não, só estou acalmando o bicho.

- Ah ta sim (risinho disfarçado).

Depois de jogarem o porco lá dentro do chiqueiro, o viajante saiu a passos apressados para se lavar e tirar o cheiro de porco, lavou várias vezes as mãos mas não adiantou.Ainda pela manhã foi com seu avô e seu primo até o sítio vizinho para ajudar a carregar alguns palanques de cerca.

- Quer merda, quando penso em descansar me aparece mais coisa para se fazer, meu Deus que loucura essa terra.

Enquanto se aprontava para ir só pensava nisso. O viajante sugeriu um trator para carregar os tais palanques mas quando lá chegou entendeu o motivo das risadas que deram de sua idéia, lá havia uma mata fechada que mal se podia entrar a pé e quando chegaram no local onde estavam os palanques ele teve a impressão de estar na beira de um gran kenion.

- Que abismo alto, meu Jesus...

O abismo era tão alto que mal se podia caminhar na sua beira, imagine um trator, mesmo assim seu avô doido montou no cavalo, começou a puxar os palanques um a um, amarrados na sela por uma corda de couro, puxou morro acima até o cavalo cansar ao todo arrastou 20 palanques num total de 80 que ainda faltavam. Era quase meio dia, o sol estava a pino quando pegaram o rumo de volta para casa, chegou cheirando a madeira e porco, já era meio dia e meia quando sua mãe ligou avisando que estava chegando e era para ele encontrá-la na estrada por que, segundo ela, estava com malas pesadas. Selou novamente o cavalo e partiu morro acima, morro a baixo, pela pequena estrada de terra, o cavalo não tinha ferradura o que o fazia demorar ainda mais, no entanto quando chegou ao ponto de encontro sua mãe não tinha chegado ainda, ficou esperando enquanto o cavalo pastava numa moita de capim na beira da estrada. De repente entrou um marimbondo na manga de sua camisa, ele a levantou para espantá-lo, foi quando o marimbondo cravou lhe o ferrão no dedo médio, a dor foi tanta que ele julgou ter cortado fora seu dedo, se sentiu como um porco capado pela manhã, seu dedo não demorou muito e já inchou chegando a dar a espessura de um cabo de uma panela, logo sua mãe chegou todos se abraçaram, aquela coisa toda e novamente lá estava ele de volta para casa no lombo no cavalo com a mala na sela descendo e subindo morro e com o dedo inchado que nunca parava parava de doer. Enfim chegaram ao sitio e foi novamente aquela coisa toda.

O relógio marcava 14h30min quando ele entrou no banheiro, saiu de lá, se trocou e foi direto para cama, duas horas depois levantou, pegou o livro e começou a ler, só parou quando o relógio marcava 19h, jantou e voltou para cama, o dedo não lhe dava sossego parecia até castigo pelo porco capado, ele olhava para o dedo com desprezo e revolta.

- Marimbondo filha puta, esse dedo desgraçado nunca vai desinchar, ahhhhhh que fadiga dos diabos.

Depois de muito se queixar consigo mesmo pelo azar de seu dedo, foi arrumar sua mochila. Na manha seguinte ele iria para casa de sua tia e só retornaria no sábado, estava revoltado, não era muito chegado em sair do sitio de seu avô, mas dessa vez todos iriam passar o natal juntos. Terminou de arrumar sua mala às 20h03min, deitou-se logo em seguida. (20h08min).



24 de dezembro quinta-feira



Logo pela manhã teve de acordar cedo, seu avô precisava fazer uma ligação para um amigo que os levaria até o sítio onde sua tia morava, até aí tudo bem, o pior veio depois de ter ligado, seu avô disse que só iriam pela tarde, e ele logo pensou:

- Peste, acordei cedo para nada!

Ainda pela manhã seu avô pegou o rumo para a cidade, ficaram no sítio apenas sua mãe, ele, sua vó e seu bisavô. Ele passou a manhã inteira assistindo televisão e pela tarde o tal amigo de seu avô chegou lá no sitio com uma caminhonete de cabine simples onde só caberiam duas pessoas, o tal amigo dele era um homem gordo e branco de olhos azuis e cabelos grisalhos de pouca conversa e cara de homem mau, no entanto era um bom homem. Sua avó foi na cabine da caminhonete, o resto do pessoal teve de subir na carroceria e pela primeira vez ele sentiu o desprazer em como é ruim andar em “pau de arara”. Seu avô ainda não havia chegado então tiveram de ir até cidade que ficava não muito longe dali, à sua procura. Lá conseguiram encontrá-lo em um pequeno bar, ele jogava truco fumava e bebia pinga, quando os viu chegar levantou-se e se despediu dos amigos, veio até a caminhonete, subiu na carroceria e logo partimos para o sítio, no meio do caminho toparam com uma forte chuva, pararam em sítio vizinho e pegaram uma lona para cobrir as malas e compras. Seu avô e seu bisavô entraram na cabine apertando a todos que lá estavam, sua mãe ele e seu primo continuaram na lá atrás, a chuva caia sem trégua e a maldita da lona sempre se debatia com o vento ocasionado pela velocidade da caminhonete. A chuva torna situação ainda mais difícil, não teve jeito, ele se estressou com aquela lona e se jogou por cima de maneira a cobri-la para não deixá-la se debater, ele foi tomando chuva, vento e lonada na cara, depois que a chuva passou ele ficou em pé e logo a caminhonete entrou na estrada de terra onde já não chovia mais, havia muitos buracos, o que fazia o pessoal pular lá atrás na carroceria, sua mãe por várias vezes quase caiu pra fora da carroceria, pulava e dava um grito.

- Ai, UI, AI, UI!

- Segura mãe!

O viajante se sentiu um peão de rodeio montando em um touro enfurecido, no caminho ele viu matas, rios, riachos e alguns raros animais silvestres, plantas e tudo mais, enquanto apreciava a beleza deste lugar pensava consigo mesmo.

- Aqui é uma terra virgem, terra vermelha.

Quando pensou terra vermelha lembrou-se de Eloise, os dois se conhecendo na rodoviária, lembrou-se com saudade de si próprio quando ainda era um louco utópico.

Enfim chegaram ao sítio, quase no fim do mundo, ele nunca estivera lá, o lugar era lindo.

- Aqui é lindo tem rio, floresta, boi, cavalo, burro, jumento, e bicho nativo.

Ele gostou mesmo foi do momento em que começaram a chegar as pessoas, o tempo passou ainda mais depressa, à noite dançou muito bebeu e se lembrou com saudade do rosto de Eloise, cantou e jogou truco, viveu de verdade o que era para se viver.



25 de dezembro terça-feira



Depois de muita festa no dia anterior, o dia 25 não podia ser diferente, a festa continuava ainda mais animada, pois mais gente chegava a todo o momento. Já era começo de tarde quando ele, seu primo e um de seus tios jogavam bola apenas para passar o tempo. Parou e foi ao banheiro,quando retornava ao campo a passos lentos e cansados, lá naquele gramado, ele reviu uma pessoa que há muito tempo não via, uma pessoa que um dia já fora sua amiga, companheira de brincadeiras de quando ainda eram crianças. Ele não acreditou que fosse ela. Como estava linda e como havia crescido! Como o tempo passa, como as pessoas mudam.

A princípio o viajante conteve- se e apenas voltara ao jogo, ela entrou no campo e foi na direção de seu primo, que estava mais preocupado com jogo do que com a menina.

“Feliz natal” disse ela pra ele e depois a seu tio, não disse uma palavra com o nosso pobre viajante que se enchera de encantos pela menina.

- Garota metida, nem fala mais com os amigos, será que ela se lembra de mim? Bom eu me lembro dela, ela também deveria se lembrar de mim.

Ela cruzou o campo de um lado para o outro e saiu a caminhar pelo pasto com um celular na mão. Ele ficou olhando aquela cena e pensava distraído:

- E ainda por cima é doida, olha só!

Ela caminhava de um lado para o outro com o celular para o alto, depois de dar várias voltas pelas redondezas do curral, ela volta e novamente atravessa o campo, ele novamente a observa com um olhar avaliativo, como se fosse uma predador olhando a presa, novamente ela passou sem nenhum manifesto. Pelo final da tarde pararam de jogar.

Ele foi ao banho e não mais a viu, enquanto lá fora os homens ainda trabalhavam no preparo da carne, o tempo demorava passar, ele começara a se lembrar de tudo novamente, para se sentir alguém no meio daquele pessoal todo, lembrou-se de seus amigos da distância que agora ele se encontrava de seu mundo habitual, no cair da noite estava ele e seu primo assistindo televisão na sala, as mulheres preparavam janta, os homens assavam carne lá fora, de súbito a tal menina lhe aparece com um prato cheio de fígados cozidos e picados com cebola pra todo lado e um limão cortado, lhes ofereceu o prato e deixou por lá mesmo o monte de fígado cozido, o viajante e seu primo comeram feito loucos, e depois ela lhes trouxe ainda mais fígado, eles novamente comeram tudo, aos poucos o pessoal foi se acomodando na sala e logo desligaram a televisão e ligaram um som que só tocava forró, o viajante viu nesse momento uma nova oportunidade para se aproximar da tal menina. Começaram a dançar e ele lhe perguntava tudo apertava sua mão e tudo mais que lhe ocorreu na mente, neste momento ele relembrou seu nome quando ela lhe respondera Jéssica, ela também se lembrara dele e depois disso sempre um procurava o outro. Depois de muito dançarem ele se deitou para descansar e começou a se lembrar do que aconteceu na manhã desse dia, o pessoal acordou cedo, pelo chão se via colchões e caras amassadas, o viajante era um deles e talvez fosse pela sua natureza o que mais dormiu, no entanto foi difícil continuar deitado vendo o maravilhoso dia chegando , da janela podia ver o sol vindo por de trás de mata de troncos finos mais de copas verdes, da cozinha vinha o cheiro de café e o som das conversas, lá de fora podia-se ouvir o barulho das machadadas, os pássaros e a conversa dos homens, seu primo mais velho rachava lenha e reclamava de dores nas costas e mesmo assim nunca permitia que outra pessoa tomasse o machado e fizesse o serviço, o galo cantava longe o seu sono foi se indo embora, mais a preguiça sempre voltava no final, logo algum desalmado veio e ligou o som na maior altura e começou a gritar:

- ACORDA, ACORDA VAMO LEVANTA!

- Vai acordar a vó, filha da puta, me deixe dormir!

- Anda preguiçoso levanta olha que dia lindo!

Após ter dito isso aumentou ainda mais o volume do som e saiu lá de perto, o viajante permaneceu deitado com a cabeça por debaixo do travesseiro, mas não ficou lá por muito tempo.



26 de dezembro sábado



Novamente teve de acordar cedo para ajudar sua mãe e sua avó a levarem algumas coisas por uma estrada de terra, elas iriam esperar um caminhão que busca leite nas fazendas para voltarem até o sítio de seu avô, mas o povo acordou cedo demais e ficaram sem fazer nada.

- Cambada de povo louco, parece que tem medo de dormir e não acordar mais!

Sua mãe novamente foi fazer o café que não ficou diferente da pinga que ela fez no dia anterior, sua avó foi fritar bolinhos para o café da manhã. Depois da despedida lá partiram eles, seu bisavô, sua vó, sua mãe e seu primo do meio que estava indo para ajudá-lo com as coisas. Ele e seu primo estavam levando uma panela gigantesca que daria para fazer um ensopado dos dois de tão grande que era. Tiveram de levar a panela por uma distância de um quilometro a pé, sempre trocando o lado em que a mão segurava por causa das dores nos dedos e braços. Até aí tudo bem, o pior foi quando o sol resolveu aparecer, a coisa complicou lhe veio a sede o cansaço a fome, se sentiu um soldado em treinamento de guerra enfim chegaram no lugar e quando estavam voltando lhes disseram para esperar, pois talvez teriam que voltar com a maldita panela. Ficaram mais meia hora em pé esperando debaixo de uma pequena sombra, não ventava e ele estava com a camisa ensopada de suor, suava como um porco, não lhe agradava nem um pouco voltar com aquela panela. Finalmente depois de muita espera lá veio o caminhão de leite, todos embarcaram e ele pode respirar aliviado, ele e seu primo estavam voltando com passos lentos, estavam cansados e ao menos ele estava morto de preguiça, o sol ficava cada vez mais forte sua camisa ensopada de suor, seus pés sujos como de um mendigo ele se esforçava em pensar positivo.

- Já estamos chegando!

Tudo começava a ficar bom quando de longe um homem a cavalo saiu da beira da estrada, e lhes gritou algo que não entenderam, mas logo depois que o homem gritou, uma boiada imensa apareceu atrás dele, a boiada nunca parava de aumentar e o homem sempre gritando, foi quando seu primo disse.

- É melhor corrermos!

E saiu correndo estrada afora deixando o viajante pra trás, ele partiu logo depois, no caminho havia uma ponte bem grande, quase cem metros de comprimento toda feita de madeira seu primo foi para um lado da ponte e ele para o outro, esperaram a boiada chegar, pouco tempo depois lá veio a boiada com um monte de bezerros, vacas e bois.O viajante ficou parado vendo aquilo tudo e ouvindo na ponte a barulheira que os cascos dos animais faziam na velha ponte de madeira, um cavalheiro puxando a boiada lá na frente e mais dois ao final empurrando o gado, logo o gado se foi estrada acima,o que ficou no caminho foi o cheiro de merda do boi, ele se lembrou do pantanal, pararam bem no meio da ponte para ver o rio que bufava de cheio, lá havia um trampolim de madeira que lhe encheu de vontade de pular mas se conteve e voltaram para o sitio à passos rápidos por causa do sol que já estava vindo e de uma outra possível boiada,. Quando chegaram, Jéssica estava deitada no sofá da sala assistindo um filme e quando os viu disse:

- Pensei que não iriam voltar mais!

Depois de alguns minutos se recuperando da corrida viu que precisava propor algo para passar o tempo, seu primo sugeriu dominó, jogaram duas partidas, só ele ganhou, propôs outra coisa sugeriu truco, mas quase ninguém sabia jogar. Lá foi o viajante ensinar o povo a jogar truco, passaram a manhã inteira jogando, depois do almoço, Jéssica lhe veio com duas alternativas, lavar louça ou fazer bolo, escolheu lavar a louça, mas seu primo foi lavar antes dele, o viajante ficou só olhando, Jéssica não foi fazer bolo foi para o quarto dormir, logo ele chegou e disse que não a lhe deixaria em paz, novamente ficaram conversando e com muito custo ele conseguiu fazer com que ela se levantasse, enquanto conversavam sua tia fazia pães caseiros iguais aos de sua avó. Jéssica e ele foram lá pra fora e se sentaram numa mesa, era uma tarde quente de verão os pássaros cantavam nas árvores ao redor e na mata lá longe, conversaram sobre tudo eles sempre tinham assunto pra dizer um para o outro, a tarde ia passando de hora em hora e eles continuavam lá conversando sobre suas vidas e pesares, a conversa começou a tomar outro rumo e quando ele estava perto de dizer o que pensava a respeito do assunto, seu primo chega e se senta à mesa, eles logo mudaram de assunto, esse foi o começo da cumplicidade que entre outros pesares teve muitos fins e muitos começos.

Pela tarde jogaram futebol, poderiam ter jogado mais se não fosse pelo seu primo manhoso.

Pela noite ela foi para o quarto e pegou um dos livros do viajante para ler; ele também foi ao quarto e lá estava ela deitada com o livro na mão, ele se sentou na cama e sem dizer nada ele ficou admirá-la por alguns segundos, ele a olhava e a única coisa que lhe vinha à cabeça era a conversa depois do jogo, sentados lá fora quase no escuro, sozinhos e ele como um bobo não fazia nada, apenas conversaram. Se ela queria só Deus sabe, mas ele, ele queria, ele queria muito, mas nada fez. Aquela foi a melhor hora para fazer aquilo tudo, mas nada fez, e agora ali na cama, sentados olhando um para o outro sem palavras alguma, segundo o viajante ela estava linda , os cabelos úmidos e soltos jogados pelo rosto e se espalhando pelo busto, a face rosada assim como os lábios, que estavam entreabertos, braços pousados sobre as pernas, tudo estava bom, mas era preciso ele dizer algo, fazer algo, foi quando ele tentou.

- Já leu muito?

Ela sorriu e disse que sim, lhe entregou o livro, ele pegou o caderno e abriu na penúltima página, ela tinha escrito que o adorava.

- O que será que ela quis dizer com isso? Será que escreveu por escrever? Por esporte? Não há como haver um sentimento além de simples atração, ou haverá?

De qualquer maneira, depois de ele ler aquilo, sua noite ficou muito melhor e quase não dormiu, logo chegaram os primos lá no quarto, e novamente não estavam mais sozinhos. Eles começaram com um jogo lá, o viajante apenas ficou ouvindo, mas alguém se lembrou do truco e novamente estavam jogando, porém tiveram de parar, o manhoso começou com a manha, já era tarde, ela foi dormir e o viajante continuou lendo, não demorou muito e todos foram dormir também. Naquela noite após se deitar o viajante demorou dormir, ficou pensando em como era bom estar vivo, poder sentir a natureza, sentir o mundo e seus encantos, como Deus é grandioso e como sua vida era perfeita. Ao dormir novamente disse em voz baixa, mais por costume do que por sentimento.

__Boa noite anjo meu.



27 de dezembro domingo.



Finalmente acordou um pouco mais tarde, pela manhã o dia estava nublado, no entanto o sol logo apareceu, o viajante não tomou café estava meio conturbado com os sonhos que teve pela madrugada afora e além do mais Jéssica iria embora ainda pela manhã, ele ficou lá fora a esperar pelo momento da despedida, de repente um filme começa a lhe passar pela mente, tantas oportunidades perdidas, a conversa no banco, a pescaria, o jogo de futebol, o dialogo pelo livro, tudo interrompido nenhuma oportunidade lhe restava, ele a perderia como perdeu Eloise, foi quando se deu por si e a viu na porta da sala a olhá-lo com um olhar pelo qual ele não conseguiu decifrar. Era um olhar entusiasmado, e ao mesmo tempo revoltante, parecia que ela lhe queria dizer algo e que só esperava um pretexto convincente de algo similar para com suas intenções com ela, foi quando o viajante lhe disse com uma voz de espanto e sólida:

- Não quer ficar mais? Fica mais e vai embora outro dia.

- Queria sim, mas preciso ir, você ainda vai lá em casa não é?

Ele percebeu que sua história com ela não acabaria naquela manhã e logo lhe respondeu.

- Sim claro que vou, pode me esperar que eu apareço lá.

Eles continuaram a conversar sobre assuntos que ele passaria um bom tempo a lembrar-se consigo mesmo, quando mais uma vez seus primos chegaram para interromper o assunto. Ela ficou o olhando enquanto respondia distraída as perguntas que lhe faziam. Enquanto ela o olhava o viajante pôde decifrar o que os seus olhos diziam.

- Eu te quero, me espere não desista de mim você é um presente que ganhei.

O viajante respondia em seu pensamento a essas frases:

- Sim, eu te espero, não desistirei de você, também te quero.

Jéssica entrou na casa e pouco depois voltou, passou pelo viajante e por seu primo e foi se sentar no mesmo banquinho da conversa, seu primo saiu logo atrás e lá se foi para o banco com ela, o viajante ficou parado, olhando apenas para saber onde aquilo tudo ia chegar. Não demorou muito e ele logo rumou pra lá também, quando chegou os viu sentados, ela estava acariciando um coelho que sempre dissera estar possuído, pouca atenção ela dava ao que seu primo dizia, conversaram um pouco os três e seu primo nem percebeu que sua presença estava incomodando, logo a chamaram para ir embora, o viajante e seu primo a acompanharam até a varanda, lá o que ele pode falar foi apenas um até logo e um singelo abraço. Ele não sabia se a veria novamente, sabia que de novo foi um grande otário. Ela partiu mas o dia ainda estava começando, a casa havia ficado vazia de uma hora para outra, ele pegou o vinho, o único álcool que naquela casa restou, e começou a beber, bebeu até ficar zonzo e quieto num canto. Neste momento se lembrou de uma frase que leu em algum lugar não se lembrava onde.

-Quem não bebe não vê o mundo girar!

Não demorou muito e logo o almoço estava pronto, o dia estava quieto não havia nada para se fazer, dormiu quase a tarde toda, tomou banho jantou e depois jogou algumas partidas de truco, perdeu mais do que ganhou, não estava nem aí para o jogo, só pensava em Jéssica, logo começou a tomar mais vinho e depois de algum tempo foi se deitar, novamente estava com um turbilhão de coisas passando em sua mente, seu passado novamente o atormenta.



28 de dezembro segunda-feira



Acordou tarde de novo apenas para não perder o costume, tomou café e ajudou sua tia, varreu casa e lavou louça.

- Ta virando menino prendado filho!

- To nada tia, esse negócio de prendado é pra menina, só estou lhe ajudando um pouco e se continuar com essa história de prendado eu paro por aqui mesmo!

- Ta certo, você é quem sabe, mas veja bem que isso é bom pra você. Enquanto faz exercício você vê o quanto a mulher sofre!

- É, cada um com seus problemas!

O dia demorava passar, ele passou a maior parte de seu tempo lendo ou ouvindo música, se serviu três vezes no almoço e depois se deitou, não demorou muito e já estava dormindo, sua tia passou pelo quarto e sorrindo disse para si mesma.

- Depois não quer engordar!

Acordou às 16h em ponto.O sol ainda estava a pino e isso o desanimava muito, uma preguiça descomunal se apossou dele e novamente ele se deitou, mas dessa vez em uma rede que seu tio armara para tomar mate bem em baixo de uma mangueira, ali ele ficou horas vendo o movimento das copas das mangueiras ocasionado pela força dos ventos, o dia estava preguiçoso como ele, as horas iam se arrastando pelo tempo, a todo instante ele se perguntava mentalmente.

- Como ela está? Será que a verei novamente? Quando a verei novamente?

Aos poucos uma paz invadia seu espírito e o tomava de alegria, ele novamente estava feliz consigo mesmo e com o mundo a sua volta, virou-se de lado na rede para descansar o corpo e se deixar dormir em outra posição, quando no mesmo instante um casal de araras pousa na copa da mangueira e lá começam com a gritaria, o viajante começa a xingar mentalmente os animais

- Arara filha da puta, me deixa dormir bicho barulhento, sai daqui!

Logo voltou na posição de antes para poder enxergar os animais lá no alto da copa, olhou,olhou, mas não enxergou nada, novamente ele fecha os olhos e novamente as araras começam a gritaria,

- O bicho inútil, por isso que estão em extinção!

Foi terminar de falar essas palavras e lá de cima veio uma rajada de merda de arara bem em sua testa o que o deixou com mais raiva.

- Bicho atentado eu te pego!

Levantou enfurecido com o seu infeliz destino, foi lavar a testa e voltou com um estilingue e um saco cheio de pedra, mas quando lá chegou já era tarde demais as araras já tinham ido embora, mas antes de partir deixaram mais merda por toda a rede, ele não pode mais deitar por lá então novamente foi para o quarto e no caminho topou com sua tia que lhe perguntou.

- Ta doente filho?

- To apaixonado!

- Outra vez?

- Não me faz pergunta difícil!

Quando já estava entrando no quarto seu primo diz.

- Vamos jogar futebol?

- To cansado!

- Ele ta é apaixonado disse sua tia.

- To também, mas to mesmo é com mais cansaço ainda!

- Do que? Não fez nada?

- Olha depois eu jogo bola com você, agora eu quero dormir mais um pouco.

- Ta certo vai lá! Morto.

- Morto é a... Seu moleque.

Depois disso ele se deitou novamente e só acordou para jantar, depois da janta jogaram mais truco e como de costume ele perdeu mais do que ganhou.

- Merda eu nunca vou aprender a jogar isso!

Logo foi se deitar e não tardou muito o pessoal já podia ouvir os seus roncos lá da sala.

- Como esse menino dorme em!

- Gente de cidade é assim!

- Eu em!

(22h16min)



30 de dezembro quarta feira



Novamente acordou tarde e não pode se despedir de seu primo do meio que partira logo pela manhã, ele não queria ir mais teve de partir, pois tinha de fazer suas coisas. Todos se vão indo e apenas o viajante fica. No sítio estão apenas ele seu primo mais novo sua tia e seu tio. O tempo demorou ainda mais para passar.

Ele levantou meio zonzo e não falou com ninguém estava com a boca cheia de saliva, não sabia porque mais todo dia amanhecia dessa forma, pensou que fosse por causa do álcool que agora lhe tinha a vontade, logo tirou essa ilusão a cabeça, ele nem bebia tanto assim.

Depois de tomar café, ajudou sua tia a pegar um frango que na verdade eram dois e depois três e só pararam quando ele disse.

- Chega tia, só tem agente pra almoçar.

- É esses devem dar para o almoço!

Depois de ver matar o bicho ele ainda teve de ajudar a depená-lo nunca tinha feito isso antes, mais não teve tanto receio como pensou que teria, depois de depená-lo viu também como se corta cada pedaço, no almoço comeu feito um condenado, sua tia cozinhava muito bem alias todas as mulheres da família são boas cozinheiras, depois de comer ele se deito na rede e dessa vez não lhe apareceu arara nenhuma, no entanto não conseguiu dormir, a tarde novamente estava preguiçosa mais não havia nada para se fazer o sol ainda estava lá no alto e o calor era insuportável dentro de casa, lá deitado na rede lhe veio uma breve pergunta.

__Será que Eloise já voltou a Campo Grande? Não sei porque ainda me pergunto sobre Eloise, alias me pergunto sobre varias coisas que não consigo responder, sim , eu devo estar ficando louco, isso me lembra uma frase que fiz em homenagem aos loucos como eu, “a loucura é o combustível que me toca até os meus sonhos”, que graça teria o mundo sem os loucos? Os loucos pintam o mundo, só não sei se isso faz bem a alguém, veja só o lugar o maravilhoso que estou, ao redor de todo o sitio há uma mata e no meio dela existe um rio que define as fronteiras do estado de Mato Grosso com a de Rondônia, no momento estou em MT, mais amanha volto para RO, pensava animado consigo mesmo sobre os caminhos e suas distancias.

O vento refrescava a tarde e o sol resolveu se esconder por alguns minutos atrás de uma grande nuvem, as galinhas ficam zanzando em busca de comida e agora mesmo um galo que ele e seu tio batizaram de tafareu passou por perto dele e cantarolou um canto tão forte como se chamasse o viajante para vida, o que não foi possível, ele continuava olhando o mundo e as belezas daquela terra, enquanto olhava para o longe imagina como estaria a vida se não houvesse sentimento, ele agora pensava em Jéssica queria vê-la mais que tudo, contava as horas para revê-la, pensou também em Eloise e como ele faria para esquecê-la, talvez nunca mais faria isso mais mesmo assim deveria continuar vivendo. Lembrou-se de um trecho de uma musica e o repetiu baixinho jogando suas palavras ao vento.

__Eu vejo um futuro repetir um passado, eu vejo um museu de grandes novidades, sim o tempo não para, não para!

(14h29min).



01 de janeiro de 2010 sexta-feira



No dia 31 de dezembro acordou um pouco triste, era véspera de ano novo e não lhe agradava nem um pouco a idéia de deixar aquele sítio. Na noite do dia 30 seu tio fora a um barzinho que ficava a uns quatro quilômetros de distância, trouxe um garrafão de pinga, o que lhes deu um pouco mais de felicidade naquele paraíso, o viajante não bebeu muito, preferiu ficar lúcido e ainda tinha de acordar cedo para ir embora.

Ao acordar no dia 31 ele teve de levantar bem cedo e ir caminhando até onde o caminhão do leite passava, no caminho lembrou-se de quando junto com seu primo trouxe a panela gigante, lembrou-se também de todos os momentos que lá passou o natal, as danças, Jéssica, seu avô, o álcool a felicidade todos aqueles momentos ele jamais esqueceria.

No caminho de volta, em cima da carroceria do caminhão junto aos galões de leite, ele observou duas coisas: uma era o barulho do caminhão que sofria para subir os morros e a outra foi a ausência de árvores nativas. Ele pensava desconsolado consigo mesmo:

- Até agora não vi as espécies que estudei em sala de aula, Pau de Mulato, Pau Rosa, Aroeira, Cerejeiras, não tem mais nada, ta tudo derrubado.

Isso o deixou um pouco chateado, fechou a cara e não falou com ninguém até chegar ao outro sítio, ele ia se equilibrando em cima dos galões de leite, o motorista soltava o caminhão nas descidas para subir os morros no embalo, o que quase nunca dava certo pois o caminhão sempre urrava quando estava lá na ponta do morro, dessa vez ele não tomou chuva e depois de muito pular na carroceria ele já se sentia um peão de rodeio, o asfalto enfim chegou e ele agradeceu a Deus por isso. Daí foram poucos quilômetros até a descida, agora tinha ainda pela frente mais um quilometro de caminhada subindo e descendo morro, sua tia ficou para traz e quando estava subindo o último morro, um velho montado a cavalo passou por ela e disse.

- É gente gora é difícil subir esse morro!

- Pois é!

Sua tia ficou com vontade de acertar um chute nos vazios do cavalo apenas para ver o velho voando da sela e rolando morro abaixo. Após chegarem ao sitio a primeira coisa que o viajante fez foi tomar um banho. Mal falou com o povo que sempre perguntava como foi a viajem.

- Grande viajem! Pensava ele.

Pela hora do almoço seu tio chegou com mais uma tia, a família é grande e cada vez fica maior. Almoçaram e depois jogaram truco dessa vez o viajante conseguiu ganhar, no meio da tarde seu outro tio veio do sítio que ele havia deixado logo pela manhã, todos posaram na casa de seu avô, o viajante tentou ficar acordado para tentar ver a passagem do ano novo mais não conseguiu, foi se deitar mas não conseguiu dormir continuou acordado esperando o sono lá na cama mesmo, começou então a se lembrar das coisas boas que viveu neste ano que estava quase terminando, os sorrisos, o mato, a vida, o verde, as emoções, logo ele calculou uma simples equação, como é bom estar vivo, como é ruim estar vivo, não agüentou ficar acordado e quando foi dormir o relógio marcava 22h21min.

Pela manhã acordou tarde e mal humorado, de madrugada acordou várias vezes e para completar um rato caiu na sua cama o que o deixou cismado pelo resto da madrugada. Hoje não lhe foi um dia diferente ao de ontem, só que mais gente chegou ao sítio, novamente jogaram truco, beberam, comeram, cantaram, ele dormiu e de novo beberam, sentiu falta de Jéssica e se estressou quando alguém falou mal dela.

- Cambada de ordinários, ratos, as coisas devem ser ditas é na cara e não pelas costas.

Já estava cansado e bêbado e logo foi se deitar. Antes de dormir estava revoltado consigo mesmo, não havia motivo algum e mesmo assim ele sentia uma raiva uma vontade louca de sair e sumir pra um lugar bem longe, lembrou-se do morro mais só lembrou, começou a dormir e se esqueceu que o mundo é mundo e gira várias vezes.(19h43min).



02 de janeiro sábado



Quando acordou sentou-se na cama e avaliou onde estava, acordou com uma sensação estranha de estar em um lugar desconhecido, mas logo que olhou para suas malas lembrou-se de onde se encontrava, saiu caminhando pela casa e quando passou pela sala viu seu tio ainda dormindo, todos já estavam acordados menos ele – que acabara de acordar - e seu tio. Ele olhou bem o colchão e pode reparar que nele havia uma mancha de urina, seu priminho mais novo também dormiu por ali e lá estava o resultado. O viajante sorriu e quando percebeu que seu tio já estava acordado disse em voz ainda sonolenta.

- Deita lá na minha cama tio eu não vou mais dormir, lá ta desarrumado, mas ao menos não tem urina.

Seu tio sorriu e disse.

- Obrigado filho, mais já estou levantando também!

O viajante foi tomar o seu café e depois se deitou de novo, não havia nada para se fazer e mal fez ele em ter acordado cedo. Estava deitado olhando para o teto quando seu avô entra no quarto e diz.

- Filho, vamos colher umas abóboras para os porcos?

O viajante ainda não aprendeu a dizer não, assim ele se levantou num salto dizendo.

- Opa, vamos sim, deixa só eu tomar um café.

Ele já havia comido, mas quis fazer isso de novo apenas para ganhar tempo e gordura. Logo eles estavam na roça caçando as abóboras no meio de um matagal onde mal se podia caminhar, a terra estava encharcada e escorregadia, começaram achando uma aqui outra lá e por aí foi. Encheram um saco só de abóboras e logo o viajante estava levando o saco nas costas, teve cãibra nas mãos, o mato lhe batia na cara e ele não podia fazer nada. O trajeto era curto mas o saco lhe pesava muito nas costas, ele só pensava consigo mesmo.

- Merda de porco desgraçado, porque ele não vem na roça buscar a abóbora!

Quando chegaram a casa seu tio jogava bola com seu filho e o seu primo do meio, o avô retalhou algumas abóboras e levou para o chiqueiro, o viajante ofereceu ajuda mas seu avô negou, então ele foi chupar melancia. O almoço logo chegou e depois disso eles foram jogar truco, não jogou muito.

- Essa vida está começando a me etendiar.

O viajante se deitou pegou o livro e o abriu na última página, releu o que Jéssica lhe escreveu.

- Te adoro, te adoro ok!

Quando se lembra dela lhe vem uma sensação boa, mas logo lhe vem uma sensação ruim, ruim de arrependimento pelas coisas que ele não fez. Semana que vem ele tem em mente de ir até Vilhena RO cidade onde ela mora, lá ele tem outros parentes que precisa visitar e provavelmente a veria novamente. Pouco tempo depois se levantou e foi jogar de novo. O tempo demorava passar e eles continuavam jogando pela tarde preguiçosa.

Ainda pelo meio de tarde sua mãe e sua avó enlouqueceram para fazer pamonha, é preciso milho pra isso e lá foi o viajante pra roça com mais um saco vazio para voltar com ele cheio de milho, pesado feito chumbo e vir cambaleando descida abaixo pelo caminho enlameado. Ele fez duas viagens sob protesto o saco lhe pesava demais, e ele encontrava forças discutindo consigo mesmo:

- Eu sou macho e pronto!

Sua avó e sua mãe começaram a mexer com o milho enquanto ele e seu avô partiram para rachar mais lenha a machadadas, depois de suar bastante com a lenha foi jogar truco com seu primo manhoso, jogaram um pouco e logo ele foi tomar banho. A luz acabou assim que ele entrou no chuveiro, e não mais voltou, ele teve que jantar a luz de velas e comeu muito depois ficou se sentindo pesado, a cada dia ele ficava mais gordo e mais triste com isso.

Quando se deitou, para pegar no sono ele começou a se lembrar de tudo que o havia acontecido. Principalmente dela, Eloise, Jéssica...

Enquanto se lembrava de tudo falava baixinho pra ninguém ouvir, como se estivesse orando:

- Tu não imaginas como fico só aqui, então só me restam lembranças de tudo o que fiz e sonhos para um futuro que ainda farei. (21h48min).





11 de janeiro segunda-feira



Logo pela manha acordou com um poema que ele mesmo fez na cabeça, repetia-o sucessivamente.

- O perfeito e o imperfeito: Quem melhor que tu para dizer de mim? Quem melhor que eu para dizer de tu? Ó mundo sem questão; ó causa sem razão; nisso eu sou campeão e tu que fazes de bom?

Era uma manhã normal de domingo, ele acordou tarde como de costume, o dia estava nublado e caía uma leve chuva de verão, logo ele voltaria para cama, estava contrariado pela idéia de partir para Vilhena apenas no meio da semana. Ainda sentia sono e também um cansaço descomunal, apesar de se deitar cedo, ele só consegue dormir quando a noite já adentra a madrugada. Fica lá acordado, esperando o silêncio, a calma da vida, a escuridão do mundo que se aplica apenas nas voltas da noite e que se perde na madrugada que tantas vezes lhe passou como um piscar de olhos, um piscar de olhos de uma bela mulher, uma mulher na qual o seu íntimo deseja como um animal a procura de água para cessar sua cede. Lá de dentro do quarto ele pode ouvir o seu avô amolando o tal serrote que eles sempre serram a lenha. O viajante se levantou, mais pela fome do que por ânimo, e foi cambaleando até o banheiro, depois se sentou à mesa e lá comeu vários pedaços dos pães caseiros que sua avó faz tão bem e que ele tanto gosta. Após o café ficou parado, de pé na porta da cozinha, observando em silêncio o seu avô amolando o serrote, o velho se esforçava e não parava de afiar a lâmina até que ela ficasse uma navalha. O viajante observava tudo com um olhar curioso e ficava encantado com o tom de cor que as lâminas afiadas tomavam quando a luz do sol nelas batia, seu avô parecia um boneco de Olinda com um chapéu de palha na cabeça, o chapéu balançava de um lado para o outro quando seu avô puxava e soltava a lima que passava nas lâminas, causando-lhe um arrepio que o deixava irritado, ele tinha gastura com o barulho da lima atritando com a lâmina e mesmo assim não parava de amolar.O viajante começava a pensar consigo mesmo:

- Será que eu terei de serrar lenha de novo? Que vontade de ver Jéssica novamente, que vontade de saber de Eloise, que vontade de ir lá no, morro que vontade de não fazer nada, que vontade...

Só voltou a si quando percebeu que seu avô o chamava.

- Filho, vamos serrar uma lenhazinha com o vô?

- Sim vô, vamos.

Partiram então. Ele seu avô, seu bisavô e seu primo do meio, a lenha dessa vez era gigantesca, uma árvore que caíra a algum tempo, e pela espessura do tronco deveria ter uns 20 anos. O viajante veio com uma cara de discórdia e só pensava uma coisa:

- Meu avô ta louco, como vamos serrar isso? Vai levar uns três dias no mínimo, to ferrado.

Seu avô percebendo da discórdia do grupo em serrar tal madeira logo começou a esclarecer:

- Ela é grande mas a gente é caba macho, vamos serrar isso e vai ser logo, não vai dar tanto trabalho assim, vamos gente ânimo. Tome meu filho, segura essa ponta que o vô segura essa outra, serre assim.

Começaram então a serrar o tronco o terreno também era desnivelado e novamente ele teve de serrar agachado, serrou meia hora seguida até que uma dor no rim o deixou travado.

- Ta bom filho, descanse um pouco, depois você continua.

O viajante não disse nada a seu avô apenas entregou o serrote para seu primo, que por sua vez não sabia serrar e só fazia seu avô passar raiva.

- Não menino, serra assim, não pode puxar com força e nem enterrar o serrote na madeira, tem que deixar ele serrar por conta.

- Ta certo vô, calma, eu ainda não aprendi direito.

Passaram quatro horas serrando o tronco, sempre revezando e depois de tudo o viajante teve de abri-lo a marretadas com uma espécie de cunha, que serve para rachar apenas madeiras grandes, fez isso para levarem até o carrinho de mão e depois até o sítio. O caminho era o mesmo da outra vez e uma chuva começou de uma hora para, outra apenas para lhes atrapalhar. O viajante cambaleava para subir os morros do pasto que estavam cobertos de capim molhado, o que o fazia derrapar ainda mais, inúmeras vezes a carga de lenha caía fora do carrinho de mão e foram incontáveis as vezes que o carrinho tombara derrubando toda a lenha que nele continha, e inúmeras vezes ele amaldiçoou aquela chuva, aquela lenha, aquele lugar. Quando enfim chegaram ao sítio ainda teve de partir os tocos de lenha a machado, apenas para seu avô procurar um cabo para o martelo. Quando terminou pensou em algo.

- Ao menos eu voltarei doutorado em rachar lenha!

Depois de cortar, rachar, serrar e carregar a lenha ele foi tomar banho e depois almoçou. Comeu três vezes, estava com bastante fome e a comida de sua avó o deixava com mais apetite, passou o resto do dia sem fazer nada e no final da tarde jogou truco com seu avô, perdeu mais do que ganhou e no mesmo dia seu avô e sua avó partiram para uma cidade lá perto Colorado do Oeste RO. No outro dia o viajante partiu para Vilhena, no sítio ficaram apenas seu bisavô e seu primo, o viajante deixou o sítio com um sentimento de remorso, ele ama aquele lugar não gosta de sair de lá, mas era preciso, essa talvez fosse a única chance de rever Jéssica.

Quando em Vilhena o viajante chegou, não parava de se perguntar.

- Onde ela está? Onde ela mora? Quando a verei?

Era uma tarde de sol forte e escaldante quando ele e seu outro primo partiram para a casa de Jéssica, no cainho o viajante viu uma escola, um cemitério e várias lojas pequenas, foram por uma avenida movimentada e ele que já estava quase a um mês no sítio estava mal acostumado a andar na cidade e quase foi atropelado uma porção de vezes. Quando enfim chegaram na casa ele reencontrou todo mundo, já era final de tarde e logo tiveram de ir embora e lá se foi ele mais uma vez, mas dessa vez Jéssica retornou com eles. O viajante pode matar a saudade e domar-lhe os sentimentos, mas quando Jéssica foi embora, ficou-lhe um gostinho de quero mais.

No outro dia bem cedo, Jéssica apareceu e logo saíram pela cidade e na volta para casa o seu primo veio na frente, o viajante e Jéssica ficaram e só voltaram meia hora depois, no caminho de volta o viajante estava inquieto meio desconcertado, coçava a cabeça e não para um só instante, sempre concordava com tudo com que Jéssica lhe dizia.

- Sim, então né!

- Que foi que você está inquieto?

- Deu pra perceber?

- Deu!

- Que mais que você percebeu?

- Mais nada, mas acho que você quer me falar algo, não?

- É eu quero sim.

- Fala aí, estou te ouvindo!

Pararam bem embaixo de uma goiabeira de praça, antes de começar a falar ele se lembrou de quando ele estava no sitio e uma vaca sempre o incomodava.

- Olha, eu tenho algo sim pra te dizer, mas essas coisas é melhor fazer entende.

Disse isso e segurou sua mão, estava suada, então ele percebeu que ela também esperava por aquele momento. Sem dizer mais palavra alguma a puxou em sua direção e deu um beijo demorado em sua boca.

Os carros passavam a toda hora os dois voltaram para casa a passos lentos, só que ela ainda teria de ir mais adiante, pois morava no bairro vizinho. O viajante voltou da metade do caminho só pra não a deixar mal acostumada, como disse ele mesmo para ela quando se despediram com mais um beijo demorado.

O resto do dia passou rápido para ele e sem nada para se fazer, seu primo e sua tia saíram de viagem na tarde do mesmo dia, foram para o estado do Paraná, logo o viajante se lembrou do livro que a pouco tempo terminara de ler pois nele se falava um pouco da antiga capital do café paranaense e novamente quando se lembrou do livro, lembrou também de Eloise. O dia terminou e quando ele se deitou lembrou-se do que acontecera ainda pela manhã, o seu encontro com Jéssica haveria de ficar guardado em sua memória por muito tempo. Deitou-se cedo como de costume, mas como de costume também teve insônia pela madrugado e ficou viajando na loucura de seus pensamentos pelo mundo afora.

No dia seguinte acordou tarde, pra variar tomou café e voltou para o quarto. Pouco tempo depois ele pode ouvir sua mãe conversando com alguém. Mais quem, ele se perguntou.

- Será que minha mãe ta ficando louca?

Logo ele se levantou e quando entrou na cozinha pode ver com quem afinal sua mãe conversava, era Jéssica que novamente foi até lá, dessa vez não saíram, foram para a sala e lá ficaram assistindo televisão e aprontando, sua mãe continuava na cozinha estava preparando almoço. O viajante lhe falava coisas absurdas e ela ria sem parar, eles estavam felizes e não havia nada para lhes atrapalhar, de vez enquanto rolava uns beijos e amassos e nada mais. O tempo ia passando rápido, ela de hora em hora ia até a cozinha trocava duas palavras com a cozinheira e voltava para sala

Tudo estava tão bem, o viajante fazia carinho em seu rosto, quando de surpresa sua mãe resolve aparecer e os pega no meio de um amasso daqueles. O jeito era dar uma disfarçada e fingir estar tudo bem, sua mãe não lhe disse nada, apenas sorriu e voltou para cozinha, Jéssica ficara vermelha de vergonha e o viajante tentou lhe acalmar os ânimos.

- Calma, minha mãe é tranqüila e além do mais eu sou homem, ela sabia que mais cedo ou mais tarde a gente ia estar junto.

- Ta, mas mesmo assim, e se ela conta pra alguém?

- Relaxa, ela não vai dizer nada, eu confio nela!

- Ta certo, mas já está na hora de eu ir embora

- Calma ta cedo se acabou de chegar.

- Não, não, tenho que ir embora, ainda tem um monte de coisas pra fazer.

- Ó meu Deus fica mais menina.

- Não posso, eu queria ficar mais não dá mesmo.

Logo após dizer isso se levantou do sofá e quando começava a caminhar para a cozinha o viajante lhe pegou pelo braço a trazendo junto de si e disse em voz baixa.

- Vai embora sem se despedir?

- Não.

Ela lhe deu um beijo e disse: “até logo, vai lá em casa hoje”.

Quando passou pela cozinheira se despediu e fez o mesmo convite. Saiu e foi embora sem olhar para trás, o viajante chegou perto de sua mãe disse.

- O que a senhora viu?

-Nada de mais, cuidado em filho.

-Ta certo mãe, não conte pra ninguém certo?

-Ta ok, não digo nada pra ninguém a não ser pra sua tia pode ser?

- Pra tia pode, mas é só ela em!

Depois do almoço o dia demorou passar, a tarde estava quente, típica de verão, o viajante se deitou e só acordou quando sua mãe o chamou para irem à casa de Jéssica. O relógio marcava 19h20min, o viajante levantou e em pouco tempo já estava pronto, foram até a casa de Jéssica, já bem tarde lá jantaram e enquanto comiam lá na sala Jéssica passava seu pezinho sobre o do viajante, um sinal de carinho, afeto, malícia e cumplicidade, o viajante lhe retribuiu o gesto da mesma forma, depois da janta o ele voltou para casa e quando lá chegou nem banho tomou, foi direto para cama, deitou e dormiu como uma pedra.

No outro dia à tarde o viajante foi até a casa de Jéssica para se despedir porque na manhã seguinte ele iria embora para o sítio. Na despedida ela o beijou na porta da sala, não foi um beijo longo, ele queria deixar aquilo para uma despedida maior e mais dramática, quando ele estava abrindo o portão ela lhe perguntou algo.

- Você vai voltar aqui antes de ir embora?

- Eu pretendo voltar sim, mais não posso te prometer nada.

Mentira ele faria de tudo para voltar, apenas para vê-la. Ele estava apaixonado e não queria demonstrar isso, disse apenas para deixá-la mais apreensiva, o que deu certo a princípio, ela o olhou e disse.

- Vou te esperar ta bom.

- Sim, me espere eu farei o possível pra voltar!

Virou-se e foi embora, não estava satisfeito, a idéia de deixar Jéssica não lhe agradava, mas ele pensava consigo mesmo:

- E quando eu voltar para minha terra? Como farei?

Ele não estava totalmente infeliz, se sentia um soldado voltando vitorioso de uma guerra, e assim voltou pra casa a passos lentos, pensativo, observando tudo ao seu redor e se perguntando:

- Será que voltarei aqui antes de partir? Por que disse que voltaria se não sei se voltarei? Detesto não poder cumprir com a minha palavra.

Na manhã do outro dia ele pegou o ônibus e voltou para o sítio, no caminho só pensava no que havia acontecido nesses dias que se passaram, de repente lhe deu uma saudade tremenda de Jéssica, lhe deu vontade de parar, descer, voltar e dizer a ela “eu te amo, te amo muito, fica comigo não e me abandone mais”. Logo que chegou ao sítio, na manhã de sábado, foi novamente convocado pelo seu avô para o trabalho, dessa vez precisara de sua ajuda para plantar capim na antiga roça de milho.

- Plantar capim não é lá tão difícil, o que complicava minha vida era o maldito milharal que sempre atrapalhava no plantio.

O trabalho rendeu e ainda pela manhã terminou. Na tarde de sábado seu primo mais novo pegou o cavalo de seu avô e começou a andar, o viajante sentiu uma vontade tremenda de andar também, eles colocaram a sela, apenas uma das rédeas e montaram em pelo, passaram a tarde inteira cavalgando, tudo isso fez o viajante refletir consigo mesmo, parou e olhou em sua volta, o mato, a roça, o vento, o cheiro do capim, o barulho das patas do cavalo batendo contra o chão, o coração disparado, o medo, a sensação de bem estar, tudo isso lhe abriu os olhos para os caminhos que deveria seguir.

No outro dia pela tarde fizeram o mesmo, só que dessa vez depois de subir um morro a galope o cavalo parou rápido demais, seu primo pendeu lhe segurou e ele gritou. Seu primo soltou, os dois caíram, o cavalo parou na mesma hora. Foi um tombo engraçado, ainda bem que ninguém se machucou, eles riam tanto, ha muito tempo o viajante não caía de um cavalo e um tombo desses o deixaria mais esperto.

No domingo bem cedo o viajante e seu primo pegaram a estrada e conseguiram uma carona até o sítio de sua tia com o velho de olhos azuis e cara de mau, onde ele passara o natal. Dessa vez não tomaram chuva, vieram dentro da cabine da caminhonete, o velho conversou um pouco de tudo e nessa conversa o viajante descobriu que o desmatamento ali naquela região não pode mais acontecer, e pensou consigo mesmo:

- Finalmente alguma coisa boa, mas também vão desmatar mais o que?

Quando lá chegou, ajudou sua tia a fazer sorvete que, segundo ele, ficou uma maravilha e ficou se gabando só porque mexeu a panela no fogão. Lamentou estar meio gordo e não poder comer mais, no mesmo dia ficou gripado de uma hora para outra e pelo final da tarde outra tia sua chega ao sítio. A casa novamente estava cheia, o viajante adorava casa cheia, logo depois ele foi buscar umas folhas e ervas para fazer seu chá milagroso que, segundo ele, cura a gripe e resfriado com apenas três doses do remédio.

Pela manhã do outro dia foi acordado pelo seu primo mais novo chamando-o para tomar café, o relógio já marcava 10h12min, e mesmo assim ele foi tomar café, depois ficou reclamando estar gordo, sua tia também colaborava para seu aumento de peso.

- Come mais filho, se não gostou da minha comida não?

- Tia eu to meio de regime sabe!

- Você não gostou da minha comida né, pode deixa!

E quando ela terminava de dizer essas palavras ele se levantava e ia até o fogão e voltava com o prato cheio de comida.

Pela tarde ficou um bom tempo olhando a chuva que caía sem parar, ele observava a enxurrada que se formava e vinha descendo o terreno arenoso em volta da casa, começou a se lembrar da primeira vez em que lá esteve, tudo era estranho por ser um lugar que ele ainda não conhecia. De súbito foi tomado pela mesma sensação que teve na véspera de natal e olhando os rastros deixados pelo cercado do coelho na grama teve uma noção mais exata de como o tempo passa.

Pela noite jogaram truco, está aí uma coisa que ele tem feito várias vezes, está aprendo bem o jogo e seus segredos. Enquanto jogavam ele se lembrou do loro de estimação de sua tia que resolveu fugir e voou para uma mata ciliar do rio lá por perto e que se não fosse os bebedores de pinga e comedores de pimenta irem agoniados atrás de um limoeiro teria ido embora para bem mais longe. Depois de perder várias vezes lhe veio um sono pesado que o fez ir se arrastando para cama. Hoje 12 de janeiro ele teve um sonho estranho, sonhou com velhos amigos e que estava conhecendo outros, tudo isso só lhe lembra faculdade, aliás, faculdade é uma das coisas em que ele mais pensa, 2010 é seu último ano na escola e sabe Deus lá o que lhe vai acontecer daí pra frente.

Pela tarde, seu tio lhe fez uma miniatura de um chicote em couro de boi, ficou perfeito, era para se usar como chaveiro mais ele decidiu guardar como recordação para que dure mais.

- Obrigado tio, mais uma lembrança que levarei dessa terra!

- Você já tem muitas lembranças?

- Sim, tenho

- Boas ou ruins?

- Um pouco de cada, ninguém é perfeito tio.

- É mesmo, ninguém é perfeito.

Seu tio se levantou da rede e logo o viajante se deitou nela, lá ele ficou pensando em silêncio.

- Mais uma lembrança que levarei dessa terra, obrigado meu Deus pela vida que tenho, pelas pessoas que colocaste em meu caminho e pela família que amo a cada dia mais. Obrigado meu Deus pelos dias de sorriso, dias sorriso. (21h37min).



14 de janeiro quinta-feira



Acordou tarde, agora tem essa mania e não acorda mais no horário, e sempre justifica o seu despertar tardio por estar em férias. O dia começara estranho, não fez nada durante a manhã e nada durante a tarde, tentou dormir após o almoço mas não conseguiu, pensou em ler algum livro mas não trouxe nenhum, colocou o banco no gramando onde sempre jogavam bola, ficou olhando para o curral, além da cerca de madeira, se lembrou de Jéssica quando a viu no primeiro dia, caminhando lá por perto com o celular pra cima, agora ele entendeu o porquê daquilo, ela estava procurando sinal, mas e se achasse como falaria com o telefone acima da cabeça? Perguntou-se isso e depois sorriu para o nada, a tarde estava quente e já lhe causava mal estar, de repente veio uma brisa fresca em seu rosto, algo diferente que o acalmou o espírito, enquanto deixava seus olhas se perderem na imensidão da terra que ali havia após a cerca de madeira, começou a lembrar-se de suas lógicas.

- Já não sei mais qual a lógica do mundo, não consigo mais distinguir até que ponto a loucura faz bem, vai entender os sentimentos de um homem.

Ele quis sair de casa

bateu asas e voou

ele quis sentir seus lábios

sua boca ele beijou

deixou suas marcas e revirou sua vida

mudou suas idéias

mostrou o certo quando o fez e não apenas quando disse

mostrou como se caminha na escuridão

fez promessas a si mesmo

lutou pelos seus objetivos

se transformou em luz quando ainda era de carne

ultrapassou seus limites e quando fez isso fez com dignidade

A quem quiser ser o primeiro

a quem quiser ser vencedor

a humildade é o exemplo

mesmo que seja um doutor

é só seguir o exemplo do filho do criador

o orgulho é que faz mal

todo homem é igual

cada qual tem seu valor

não tenho religião mais tenho um coração

não tenho coroa mais já fui rei

e quem um dia foi nunca perde a majestade.

O viajante reproduziu esses versos mentalmente e percebera que com a angústia de seu sentido montou um belo soneto, ficara um pouco triste por saber que já se acha em tal ponto de loucura, mas ficou bem novamente por saber que ainda lhe restava um pouco de juízo nato, olhou para o verde da mata ciliar que lá ficava ainda mais vivida às margens do grande rio, descansou seus olhos e num flash lhe veio talvez pela última vez as faces de Eloise com uma nitidez inigualável, foi como se ela estivesse em sua frente, como se sua mente se esforçasse para ver o rosto de Eloise pela última vez como um enterro e depois disso não mais a enxergou com antes, de Eloise só se lembrara do nome e mais nada. Se deitou no banco e ficou olhando para o céu vendo as nuvens serem arrastadas pelo vento, se lembrou do dia em que estava lá no alto do morro e ficou esperando a chuva vir, e ela vinha lenta como um gigante, soberana inabalável, um verdadeiro blindado de guerra, as nuvens de hoje não são de chuva e por isso se locomovem mais depressa. O tempo demorava passar e já era quase final de tarde, ele sabia que já não lhe restava muitas horas de sol, olhou para um coqueiro que ficava ao lado casa, era um coqueiro baixo e estava carregado de cocos vistosos, isso o animou a pegar um, encostou uma escada no tronco do vegetal, subiu e tirou dois cocos, descascou e tomou a água do primeiro, tomou com uma cede descomunal, a água estava doce e até gelada, o segundo ele deu a seu primo teve desanimo de pegar outro, entrou na casa e foi tomar banho, depois jantou por dois homens, bebeu pinga pura com limão e depois jogou truco, logo foi se deitar e só viu o mundo na manhã do outro dia. (22h31min).



16 de janeiro sábado



No dia seguinte ele e seu tio foram para o chiqueiro, iam matar um porco de engorda, o bicho era grande, devia ter uns 60 kg, seu tio entrou no chiqueiro e com um martelo bateu bem no meio de sua testa uma, duas e três marteladas, o suficiente para deixá-lo zonzo e mongolóide, aproveitando da inconsciência do animal o viajante e seu tio começam a tirá-lo para fora do chiqueiro no entanto ao meio da passagem o porco começa a se reanimar e voltar a si, seu tio que ainda ficara dentro do chiqueiro para passar as patas traseiras do animal lhe jogou o martelo dizendo.

- Bate na cabeça dele, toma, rápido.

- Sim tio.

Bateu uma, duas e pronto o porco caiu no chão desmaiado, a princípio o viajante teve um pouco de pena do animal que logo teve de ser contido pois seu tio ainda precisaria de sua ajuda para matar o animal.

- Filho, apóia o seu joelho aqui e segura essa pata assim e coloca o seu outro joelho aqui.

O viajante fez tudo como recomendou seu tio, um joelho ficou sobre as costelas do animal e o outro no pescoço para que ele não levantasse a cabeça e causasse uma mordida em alguém. Apesar de o porco estar desmaiado ele acorda com a dor da facada, levantou uma das patas a deixar o seu peito livre para a perfuração, seu tio lhe aplicou um golpe certeiro, o porco logo acordou e começou a espernear e berrar, o sangue começara a escorrer desproporcionalmente, o viajante olhava meio comovido para o animal que ainda insistia em lutar pela vida, não demorou muito e porco parou com sua resistência, já estava morto e seu tio se levantou e disse.

- Relaxa filho, a gente cria é pra matar mesmo.

O viajante lhe respondeu com um sorriso meio amarelo e logo tirou de si o mau que o atormentava, ele pensou no porco assado no espeto e ficou tudo bem de novo.

Depois de matar o animal tem que pelar com água quente era como se fosse um frango só que de quatro patas, seu tio jogava água quente e em seguida passava a faca amolada rapando o couro do bicho, depois de ter feito isso no corpo do animal inteiro ele novamente pediu ajuda para o viajante. Agora é chegada a hora do corte da pele, o viajante ficou olhando e ajudando com um olhar curioso, ele queria aprender tudo aquilo, pois se imaginava num futuro não muito distante fazendo o mesmo processo ou ao menos opinando nele, seu tio passava a faca com delicadeza e ia cortando com precisão a pele do porco, abrindo assim o animal ao meio, o cheiro de seus bofes enjoou a todos que ali perto estavam, sua tia de hora em hora aparecia para ajudar a fazer o que o viajante ainda não sabia fazer, e sua mãe de hora em hora aparecia mas era apenas para atrapalhar. Seu tio a cada corte que fazia dizia o porquê:

- Isso é pra não cortar o fel e amargar a carne; isso deve se cortar assim, bem na junta, porque você pega o nervo e não o osso.

O viajante observava tudo e apenas balançava a cabeça num sinal de positivismo, neste momento ele se imaginou com seria a vida de um veterinário ou de um médico. Pensava consigo mesmo: seu tio pouco estudo tinha e no entanto sabia de toda a fisiologia e a anatomia do animal, às vezes a escola da vida nos ensina mais coisas do que as escolas universitárias.

Seu tio continuava cortando, falando e perguntando a ele o porquê disso e daquilo. O viajante lhe respondia sem rodeios e poucas vezes errava em suas respostas. De uma hora para outra sua mãe lhe aparece lá fora com uma bacia pedindo os bofes do animal pra fazer uma tal de fissura, uma comida africana, o viajante pouco entende e se pergunta.

- Como pode se fazer alguma comida com os restos desse animal?

Sua mãe pegou apenas o coração, fígado e um pedaço do pulmão, o resto seu tio e ele levaram para beira do rio para tentar pegar algum peixe, o que não aconteceu, quando eles voltaram de mãos abanando foram perturbados.

- Uai home, não pegaram nada, que espécie de pescador são vocês?

- Hoje o rio não ta bom pra peixe, amanhã eu pesco um que vai medir o seu tamanho.

- História de pescador home, o peixe ta lá no rio que diferença faz pegar ele hoje ou amanhã?

- Não enche o saco, vai cuidar do almoço que eu to com fome, já temperou a carne?

- Pescador, pescador!

No almoço o viajante experimentou a tal fissura, tinha um gosto bom e ele acabou comendo várias vezes, só não comeu mais porque foi alertado que em excesso lhe faria mal, passou a tarde toda jogando truco com seu tio e seu primo, pela noite comeu mais fissura e foi se deitar meio enjoado.

__Acho que comi muita fissura, esse negócio deixa a gente fissurado e com enjôo.



24 de janeiro domingo



Depois de passar mais uma longa semana no sítio o viajante retorna ao sítio de seu avô, mas não ficou muito tempo por lá, no outro dia bem cedo pegou o rumo para Colorado do Oeste, foi para casa de seu tio e quando estava sentado na varanda da entrada pegou um papel e começou a escrever.

__Hoje está um dia parado, eu, na cidade, não dormi muito bem na noite passada. Não estou tendo muito tempo para ler nem para escrever e quando tenho tempo falta-me o ânimo, a coragem de arriscar algumas palavras, posso dizer que não tenho feito nada de mais, conheci gente nova, vi coisas fantásticas, amadureci como um todo por completo, no entanto ainda sou pequeno e imaturo, imaturo foi demais, nos últimos dias tenho feito tanta coisa, rachei lenha, andei a cavalo, joguei truco, cantei, fiquei louco, me senti vivo com a dor da saudade e a emoção da alegria, estou começando a ter saudades de casa, quando estou lá sinto saudades de cá e quando estou cá sinto saudades de lá, a vida é mesmo uma caixinha de surpresa, dia 28 pretendo partir para minha terra, mas antes quero ver Jéssica, preciso vê-la antes de ir, matar a saudade que tenho dela, mesmo que seja por pouco tempo,o tempo necessário para um abraço. Ah, uma coisa que eu tenho pensado muito, lá começarei tudo de novo, digo escola, preocupações e tudo mais, eu acho que deveríamos ter férias 10 meses por ano, imagine o caos que seria. (21h28min).



27 de janeiro quarta feira



Após ter ficado alguns dias na cidade o viajante volta para o sítio de seu avô e lá permanece até enjoar daquilo tudo, em seus relatos dizia-se enjoado.

- Estou cansado disso aqui, quero ir para cidade ver gente, carros, asfalto, poluição e vidro fumê.

Foi para o canavial e voltou com um monte de canas, subiu no alto do morro e passou a tarde inteira lá, assim ele fez outros vários dias, um dia levou um caderno para desenho e tentou desenhar um dos morros, não ficou aquela coisa mas dava para se entender, as vacas o continuavam atrapalhando e mesmo assim ele insistia em ficar lá, elas só lhe davam sossego quando descascava uma cana e jogava no pasto para elas chuparem também.

- Bicho folgado, porque não vão buscar no canavial!

As tardes lhe passavam calmas e de vez enquanto lhe aparecia algum trabalho para fazer com seu avô ou seu primo, seu bisavô andou meio doente, mas logo o levaram ao médico. O viajante queria poder fazer algo para ajudar mas não podia, isso o deixava com um remorso imenso, e para diminuir esse gosto de inoperância que sentia ele preparava todas as noites um chá para seu bisavô tomar antes de se deitar e sempre lhe perguntava.

- Ta bom vô?

- Ta sim filho, obrigado o vô já vai se deitar, boa noite.

O viajante o ficava observando enquanto caminhava para o quarto, uma figura magra e pequena seu bisavô o lembrava muito a figura de Dom Quixote de La Mancha.

Ele repetia consigo mesmo em pensamento, o juramento dos cavaleiros Quixotenos.

- Me fiz Quixote, aprendi a andar na escuridão, enfrentei moinho e derrubei dragão, cavaleiro andante não tem medo de alucinação.

Quando terminava o verso em seu pensamento já não via mais seu bisavô, pois ele já estava no quarto em seu breve repouso; era um homem velho e viajante, sabia que só duraria mais alguns anos, isso o deixava triste.

- Como pode uma pessoa com tanta história acabar assim, um dia chega a minha hora também, eu quero uma morte digna de um homem, mas essas coisas a gente não escolhe.

Os dias lhe iam passando cada vez mais enjoativos, a vida no campo não lhe era ruim, mas ele estava de férias e queria mais, muito mais, queria sair conhecer o mundo, isso lhe estava no sangue pois ele tinha alma de viajante e esse desejo o apossava de quando em quando.

Muitos foram os dias em que ele subia no alto do morro e ficava com os olhos a perder de vista nas serras imaginando qual cidade ficava além delas e a qual distância, ele passava a maior parte de seu temo dessa forma, planejando viagens, calculando rotas e imaginando histórias.



31 de janeiro domingo



Logo bem cedo arrumou as malas e partiu com seu avô para Vilhena e de lá, tinha planos de partir de volta a sua terra. O viajante veio discutindo com seu avô sobre muitas coisas do mundo, seu avô sempre lhe ensinava coisas do mundo velho, as construções, os costumes e as crenças do povo de seu tempo, o viajante lhe contava sobre as maravilhas do mundo moderno das localizações geográficas das cidades e tudo mais. O tempo e o vento, disse seu avô e ele se lembrou de um livro cujo nome era esse, se imaginou no meio do livro também, andando com Licurgo no meio do pasto com os cavalos, nas festas no sobrado que atravessavam as madrugadas, das paixões proibidas e de um certo capitão Rodrigo, logo chegaram na estrada e pegaram um taxi, no caminho ele reviu algumas paisagens e se perguntava uma só uma coisa.

- Quando verei isso tudo de novo?

Quando chegaram a Vilhena eles logo foram à casa de sua tia que retornara do estado do Paraná há pouco tempo, o viajante não ficou muito tempo por lá, ainda pela tarde pegou o rumo até a casa de Jéssica, ele queria revê-la, estava doente de saudade e não via a hora de tê-la novamente em seus braços.

Era uma tarde de sol escaldante quando ele lá chegou, estava suado parecia um peão que acabara de chegar da roça, só lhe faltaram as botinas que ele deixara no Mato Grosso e que agora tanto lhe faziam falta. Ela, ao vê-lo, abriu um sorriso mas se conteve, não podia demonstrar muito afeto pois seu primo estava perto e no máximo eles se abraçaram. No entanto o viajante a abraçou fortemente e ela se deixou tomar em seu aconchego suspirando aliviada. Eles conversaram a tarde toda e a cada liberdade que tinham eles se entreolhavam e se grudavam matando a sede que estavam um do outro, mas quando aparecia alguém eles logo disfarçavam e começavam um assunto que quase sempre era sem nexo algum.

Pela noite o viajante e seu primo voltaram, Jéssica lhes acompanhou até metade do caminho, pois iria para seu curso que só terminaria as 22h, ou seja, o viajante só a veria no outro dia. No outro dia bem no começo da tarde o viajante e seu primo novamente foram até sua casa, ela iria até o centro da cidade comprar material escolar, foram todos, o viajante nunca andou tanto, mas achou bom, conheceu ainda mais a cidade; voltaram já no final da tarde, foram como loucos no meio da rua, Jéssica comprara uma mochila maior que ela o que a deixava ainda menor ainda, o viajante pouco conversava não fazia muito o seu caráter mas sempre quando encontrava um gancho ele entrava na conversa e dizia algo engraçado que todos riam ao mesmo tempo.

Voltaram para casa e ele estava morto, mal jantou e se deitou já estava dormindo. Seu avô fora embora e o viajante não o viu indo, estava dormindo e seu avô não quis acordá-lo. (22h10min).



05 de fevereiro sexta-feira



Pela manhã quando acordou já sabia que estaria sozinho na casa, sua tia saíra para o trabalho e só voltaria pela tarde, seu primo fora para a escola logo cedo e só voltaria na hora do almoço, seu tio também saíra para o trabalho e sabe lá Deus quando voltaria.

O viajante levantou meio sonolento, foi ao banheiro e depois tomou café, o dia já estava adiantado mas o sol ainda demorava sair por detrás das nuvens, o viajante riu consigo mesmo quando pensou.

- Vejo que não sou apenas eu que acordo tarde no verão, mas será que sol também tira férias?

Reparou na mesa, como estava vazia, se lembrou do natal, havia tantas pessoas em volta da mesa agora ali onde ele estava não havia mais nada nem ninguém para falar, rir e brigar. Depois de tomar café foi para sala e ligou o rádio, uma das melhores formas de se ficar por dentro da cultura de uma determinada região é escutando suas rádios locais, foi o que ele fez,ficou por ali mesmo, deitado ouvindo o que se passava. Já estava quase dormindo quando ouviu uma voz chamar pelo nome de sua tia, ele se levantou e foi na direção da porta para ver melhor quem era, quando lá chegou parou e ficou a escutar a voz, a reconheceu na hora, era voz de Jéssica, ele abriu a porta e a recebeu com muito entusiasmo, ela entrou na casa e logo ele a puxou pelo braço a arrastando até a sala, lhe deu um beijo demorado.

- Nossa! Calma.

Disse isso, logo ela que sempre tomara as iniciativas de lhe dar beijos demorados, se abraçavam e manipulavam os sentimentos um do outro, ele pode ver com mais precisão a menina que enxergava em seus olhos, ela o pode afagar em seus carinhos e também pode ver o louco mentecapto nos olhos do nosso viajante.

Ele estava sentando e ela ao seu lado. Estavam abraçados e ouviam o rádio, e sempre entre uma música e outra conversavam sobre isso e aquilo. Estava tudo maravilhoso até o viajante perceber um barulho na cozinha, ele se levantou e foi ver, era seu tio que acabara de chegar.

- Ainda bem que você o ouviu chegar. E se entra e pega a gente assim?

- Calma, o tio é chegado meu.

Depois da chegada de seu tio Jéssica não demorara em ir embora, o que o fez deplorar seu tio em seus pensamentos.

- Merda tio, porque veio logo agora? Tinha que estar no trabalho não aqui!

No começo da tarde ele saiu para rua e pegara o caminho da casa de Jéssica, seu primo o encontrara pelo caminho, foram os dois pra lá, almoçaram e logo seu primo foi embora, o viajante no entanto se deitou e acabou cochilando. Jéssica assistia televisão quando ele acordou e chamou por ela achando que estava sozinho em casa, ela apareceu no quarto e novamente começaram com os amassos, ela o beijava e retribuía seus carinhos, perdia os olhos em seu sorriso, e se encontrava com sua boca em sua orelha, lhe sussurrava coisas que lhe causavam arrepios se apertavam em seus braços e riam de algo engraçado dito por um ou pelo outro a satirizar a situação e sempre terminavam dizendo “VEM CÁ”, e depois um beijo duradouro, passaram um bom tempo assim, e só paravam quando ela se deitava em seu peito e fica ouvindo as batidas de seu coração, enquanto ele olhava para sua linda face encostada em peito. Eles estavam apaixonas e só uma coisa o preocupava.

- E quando eu for embora? O que farei?

No final da tarde ela se arrumara para ir ao curso e ele aproveitaria para acompanhá-la, ele queria estar perto dela, queria aproveitar bem os momentos, ninguém melhor que ele para entender de saudade. Quando chegou em casa já era noite, tomou banho e sua tia lhe pergunta:

- Namorou muito?

- Não tia ela é apenas minha amiga!

O viajante sabia que sua tia só estava lhe testando para ver qual sua resposta.

No outro dia o viajante foi almoçar novamente na casa de Jéssica, agora quase todos os dias fazia isso, ele adorava a sua comida, ela também foi uma das culpadas pelos seus quilos a mais, pela tarde voltou para casa e ficou jogando conversa fora com seu primo, tomou banho jantou e foi se deitar cedo.

Na manhã do outro dia fez a mesma coisa e assim se fez todas as manhãs que ele ficou em Vilhena, sempre via Jéssica não passou um dia sem vê-la. Na manhã de sexta-feira sua mãe lhe telefonou avisando que era para voltar a Colorado do Oeste pois seu tio queria o vê-lo antes que partisse, o viajante teria de voltar no domingo bem cedo, ele recebeu a noticia com um pouco de desânimo mas sabia que mais cedo ou mais tarde teria de deixar Jéssica, não discordou de nada e disse que chegaria no domingo.

Passou os últimos dias bem perto de Jéssica, ela o olhava com uma olhar sereno e inconsolado, ele tentava lhe passar alguma energia positiva mas não adiantava, ele também sabia que depois desse dia não a veria tão cedo. Na noite de sábado ela saiu mais cedo do curso e foi até a casa onde o viajante estava, passaram as últimas horas dessa temporada juntos, e o último beijo um curto que ele tanto insistia e foi como ele mesmo disse.

- O da nossa despedida!

Meia hora depois ela disse estar de saída ele pensou em acompanhá-la, mas ficaria muito evidente, apenas foi em sua direção e lhe deu um forte abraço, e simples beijo de amigo na bochecha, sua tia os observava e o viajante percebeu que ela sabia de tudo, só não tinha certeza, ela se foi e ele ficou a acompanhá-la com os olhos até ela sumir de vista, ele entrou na casa sem dizer nada e foi se deitar. Ainda pela madrugada ele acordara e se aprontara, chamou seu primo para lhe ajudar com as malas se despediu de todos e partiu para a rodoviária, quando seu ônibus chegou ele olhou para seu primo que estava sentado, ele apenas se lembrou de todas as idas até a casa de Jéssica, do natal lá no sítio e de suas conversas pelo (MSN) seu primo levantou a cabeça mais continuou sentado e disse numa voz meia rouca.

- Até logo primo, manda notícias e avise quando chegar lá!

- Eu mandarei sim, mande um abraço a todos e diga que no fim do ano eu volto, se cuida em rapaz, até logo.

O viajante pegou suas malas e entrou no ônibus que logo saiu e da janela ele pode ver seu primo de pé o olhando ir embora, ele acenou e o outro também fez o mesmo.

No caminho de volta o viajante encontrou a resposta de sua pergunta que fizera a si mesmo quando ainda estava indo para Vilhena com seu avô.

- Quando será eu voltarei a ver essas coisas? Hoje, voltei a ver hoje!

Quando chegou a Colorado do Oeste teve de caminhar um bom trecho a pé com as malas pesadas da viagem, chegou à casa de seu tio ainda pela manhã, tomou café de novo e foi se deitar alegando cansaço, se deitou e só acordou às 17h21min, dormiu com vontade como disse seu tio. Se os dias no sítio demoravam para passar, na cidade, ao contrário do que ele pensava, estavam demorando também. Ele percebeu então que o motivo pelo qual seus dias passavam rápido era pela presença ou a falta de Jéssica, ela agora era seu relógio que marcava com precisão a hora de parar e de começar a agir. Ainda pela tarde sua tia o convidou para irem a uma festa que sempre tem nos dias de domingo.

- Opa tia, festa é comigo mesmo, vamos sim.

Foi se arrumar e num instante estava pronto, ele e sua tia foram então até a tal festa, mas quando lá chegaram o viajante teve uma imagem desfigurada do lugar, ele pensou se tratar de uma festa, mas festa mesmo, e não um jogo de futebol com forró. Vendo que não havia outro jeito, ele caiu no meio do povão, dançou, bebeu, gritou e até arrastou asa para algumas meninas.

- Oi você é daqui?

- Oi, sou sim e você?

- Sou de Campo Grande MS, conhece?

- Só de nome.

- Sabe dançar?

- Sei sim vamos?

- Opa vamos.

Mas não passou disso, ele estava meio enferrujado e já não era o mesmo de antes que nas festas chegava com uma e saía com outra, alguém o mudou profundamente e isso não o incomodava, as horas iam passando rápidas após alguns goles de álcool, logo eles voltaram para casa e ele nem banho tomou, foi logo se deitar, apenas tirou os sapatos que estavam sujos.

Pela madruga acordou e não mais conseguiu dormir, ficou pensando e discutindo consigo mesmo.

- Essa última semana foi a melhor de todas as semanas de minhas férias, passei-a quase que inteira na companhia de Jéssica, fizemos muitas coisas juntos e o que mais me lembrarei desses momentos vividos serão os almoços que lá tive. É meu caro viajante agora só lhe restaram lembranças, saudades e uma vontade monstra de fazer tudo de novo, no entanto não é só a mim que a saudade perturba, Jéssica também está sentindo muito tudo isso, por ela eu jamais voltaria. Senti algo bem mais forte por ela do que mesmo com Eloise, Jéssica foi bem mais que uma simples aventura, isso é um sentimento cujas dimensões aqui não caberiam, nossa despedida foi singela e oculta apenas nós dois sabíamos da grandeza desse sentimento de perda que minha partida ocasionou, uma coisa estranha se apossou de mim, uma incapacidade tomou-me o corpo e alma, tive vontade de pegá-la pela mão e sair correndo pra bem longe, fugir para outro lugar, abraçá-la, beijá-la, senti-la, tocá-la e não mais sair de perto dela. Um turbilhão de coisas anda assombrando os meus pensamentos: carreira, vida, amores, tudo se tornou tão difícil a ponto de me fazerem desistir de viver tais fazes. Quantos gênios a sociedade perde para a fome e para a burocracia do capitalismo mal planejado nos países de terceiro mundo como o nosso? De qualquer maneira não posso ter medo do desconhecido não posso perder a fé na graça da vida, pois o mundo sempre da voltas. (02h43min).



10 de fevereiro quarta-feira



Hoje o viajante completou dois meses nesta terra vermelha chamada de Rondônia, quando acordou como de costume não se levantou ficou deitado ouvindo a barulheira do ar e do ventilador, não sabia por que razão havia ligado ambos, mas ficou uma coisa boa no quarto. Depois de ficar pensando nisso lhe veio uma fome descomunal foi ao banheiro e subiu para tomar café, lá ele disse a sua tia que precisava fazer um telefonema.

- Usa o telefone da portaria ta?

- Ok eu uso!

No momento em que ele tirou o telefone do gancho lhe veio uma sensação estranha, uma angústia, um medo enorme tomou conta dele, ele discou o número muito rápido, lhe faltou ar quando o telefone chamou, tocou uma, duas, três vezes quando uma voz grossa e cantada atendeu dizendo.

- Alô quem ta falando?

O viajante se identificou, mas o homem não entendeu e continuou dizendo.

- Alô quem ta falando? Quem é?

Uma ira lhe subiu a cabeça e ele gritou no telefone.

- Foi engano merda!

E desligou o telefone na cara do homem que enfim ouviu o que outro dizia, sua tia ficou olhando com uma cara de espanto e o viajante lhe disse:

- Foi engano e o homem era meio surdo sabe!

- Ah sim, tenta de novo.

Novamente ele discou o número e dessa vez com mais calma, quando o telefone tocou, novamente lhe veio a sensação de mal estar, o telefone tocou, uma duas vezes quando uma voz feminina disse.

- Oi quem ta falando?

Logo o viajante reconheceu a voz e percebeu se tratar da mãe de Jéssica ele se identificou e perguntou como iam as coisas.

- Vão bem e com você como vai?

- É to bem, vou levando.

- Você já voltou pra Campo Grande?

- Não ainda estou em Colorado. A Jéssica ta por aí?

__Não, ela foi até a casa de uma amiga.

- Ah ta, depois eu ligo então. Até logo.

- Quer deixar recado eu passo pra ela?

- Não, não deixa quieto, depois eu ligo.

- Ce é quem sabe. Até logo

O viajante desligou o telefone meio triste e sua tia perguntou.

- Namorada?

- Um rolo meu tia.

- Sei, olha lá em.

- Vou descer quero ler um pouco.

- Vai lá.

O viajante não mais ligou, pelo menos nesse mesmo dia, ficou lendo o dia todo e só parou para descansar os olhos enquanto olhava para a recepcionista, não se contentou em ficar apenas olhando e foi logo puxando conversa com ela, mas logo depois que ficou sabendo que ela tinha namorado inventou uma desculpa e se foi embora dali. Tomou banho e jantou, mal percebeu quando foi para a cama, deitou e não viu o tempo passar logo adormeceu mas antes de dormir ainda cheio de sono disse baixinho.

__Boa noite anjo meu. (22h36min).



15 de fevereiro segunda feira



Neste dia o viajante já embarcara de volta para casa, depois das despedidas ele teve de pegar o caminho de volta, e dias depois ele pode escrever em um pedaço de papel algo semelhante a isso:

- Me lembro muito bem de o ônibus estar ultrapassando um caminhão bem velho que urrava para subir a serra e nele estar escrito a seguinte frase: “Saudade tem nome”.

__Sim, isso é o óbvio se levando pela lógica como sempre faço com tudo, mas dessa vez eu pude entender a frase com os sentimentos e não com as simples palavras, após ler a frase um turbilhão lembranças me vieram à mente, tantas coisas, tantos sorrisos, abraços, amores, medos, alegrias, um amontoado de sentimentos me tomaram pela mão e me levaram de volta ao passado, me levaram para as tardes que passei lá no alto do morro observando o os animais e implicando com a vaquinha que só queria comer algo diferente, me levaram até a cerca de madeira lá no sítio de sua tia, onde eu passava horas sentado vendo os pássaros voando lá e cá e onde novamente pode ver Jéssica na porta da sala a olhar com aqueles olhos serenos, rever o lugar lá longe onde o loro fujão se escondeu, olhar para grama e rever o amarelo deixado pela casinha do coelho, me lembrei também de como foi bom o natal em família, como foi estranho rever Jéssica e como tudo isso foi maravilhoso. Lembrei-me de meu avô em pé ao meu lado encostado na cadeira com um chapéu na cabeça e fumando um crioulo a me observar com os meus costumes de comer de garfo e faca, lembrei da pimenta e da mandioca que meu tio jogou no meu prato, dos gritos de alegria que mais serviam para assustar do que para espantar a tristeza, das trucadas que perdi e outras que ganhei, das tardes de sol baixo lá no horizonte, do céu de Vilhena, dos passeios que tive com Jéssica, o amanhecer em Colorado do Oeste da emoção das cavalgadas dos finais de tarde onde eu fazia o cavalo voar a todo galope com aquela explosão de vida e energia com que o animal partia em disparada. Todas essas lembranças fizeram meu coração saltitar dentro de meu peito como o cavalo galopando pasto afora, em meus olhos o reflexo das faces de Jéssica como se ela estivesse em minha frente, perdi meus movimentos, meu passado dizia “não vai”, meu presente dizia “olha onde você está”! e meu futuro “calma você volta”.

Deixar todas aquelas pessoas foi uma das coisas mais difíceis que fiz em toda a minha vida, agora só me restam lembranças de tudo e de todos. O tempo passara rápido, esse ano é o meu último na escola também, e espero fechá-lo com chave de ouro. Não sei mais o que farei quando terminar o ano letivo, minha vida está de pernas para o ar, mas de uma coisa eu sei: quero voltar a Rondônia o mais breve possível, o mundo lá é mais tranqüilo, a vida por lá é melhor vivida.

Em mim são muitas as incertezas, muitos medos e desafios gigantescos, mas agora os vejo com mais ânimo, pois tenho a certeza de que não estou sozinho e há alguém que me espera. Mal escreveu estas palavras e o seu telefone tocou, um breve pensamento lhe vem a mente:

- Quem será? Será que me esqueci de algo, ou alguém preocupado com a minha chegada?

O número era desconhecido tinha o prefixo de Mato Grosso do Sul, pensou ser um amigo, atendeu o telefone e quando disse as primeiras monossílabas que já lhe eram automáticas do cotidiano uma voz meiga feminina lhe diz:

- Alô, alô?

O viajante se identificou e perguntou quem era, e levou um susto quando a voz pronunciou:

- Eloise que bom que te achei.

Seu passado novamente o atropelou pelo caminho do tempo, seu coração disparou e sua respiração ficou ofegante de súbito lhe veio a imagem de Jéssica em olho o que o fez por impulso balbuciar com uma voz trêmula e fraca:

- Desculpe foi engano.

Desligou o telefone e só o ligou no fim da viagem, não sabia se fizera o correto mas sabia que não queria passar por tudo aquilo de novo, o tempo já o havia curado e ele não gostaria de abrir feridas.

Este é o fim de um diário, pois apenas relatei o que Deus já escrevera para a vida de um simples viajante mentecapto. As últimas palavras de um viajante mentecapto antes de se calar sobre seu passado foram:

- Obrigado meu Deus pelos dias de sorriso, pelas emoções que arrepiavam minha pele e me desconcertavam como um todo, que vez por outra faziam meu coração disparar me dando a certeza de que a vida sem emoções não é nada e que nós temos um mundo tão vasto para se fazer isso e só vemos as coisas ruins que nele acontecem. Obrigado por estar vivo e muito obrigado pela vida que tu me deste. (14h38min).

FIM.